São Paulo, quinta-feira, 15 de março de 2007

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Saldo da turnê de Bush é mais retórica do que ação

Depois do Brasil, álcool sumiu dos discursos, que enfatizaram "justiça social"

Quanto mais se aproximava de casa, maior a pressão sofrida por americano na questão da imigração, que divide sua própria base

SÉRGIO DÁVILA
ENVIADO ESPECIAL AO MÉXICO

Começou com samba e terminou em milho e feijão a viagem de George W. Bush pela América Latina. No meio do caminho, muita retórica mas pouca ação. O presidente norte-americano repisou em cada uma das cinco paradas o caráter "compassivo" de seu povo, defendeu "justiça social" via "livre comércio"; falou que os Estados Unidos "se importam" com a região.
Ofereceu, no entanto, pouco além do memorando conjunto de biocombustíveis assinado no Brasil, considerado um bom começo por muitos, mas tímido por outros tantos, por não incluir o fim das barreiras comerciais ao álcool brasileiro.
A Folha foi o único órgão da imprensa latino-americana a acompanhar o presidente em seu giro pela América Latina, ironia notada anteontem por Tony Snow -animado e mostrando fotos de lagartos que fez em Yucatán (México), o porta-voz da Casa Branca exibia no braço direito duas pulseiras de plástico com as cores do Brasil.
Sete dias, cinco países e 20 mil quilômetros depois, a viagem de Bush poderia ser resumida em dez itens:

1. Álcool não viaja bem
Apesar de ter sido chamado de "diplomacia do álcool", o périplo de Bush ignorou o assunto biocombustíveis tão logo o AirForce One deixou o aeroporto de Guarulhos, em São Paulo.

2. Hugo quem?
Não só comparações com a turnê que Hugo Chávez fazia ao mesmo tempo pela região eram repelidas pelos assessores de Bush como foi banida a menção ao nome do venezuelano e de seu país. Indagado sobre Chávez, Bush respondeu da mesma maneira: que iria se concentrar na "agenda positiva".

3. "George W. Chávez"
Ainda assim, era evidente o esforço do norte-americano em mostrar que também "se importava" com o continente. Na Guatemala, carregou alfaces e elogiou os médicos militares de seu país que "devolviam a visão" aos pobres locais.

4. Pouco dinheiro
Bush fez dez discursos em cinco países, falando um total de 6.000 palavras, sem incluir as respostas em cinco entrevistas coletivas. Ainda assim, a ajuda direta à região continua onde estava quando a viagem começou: de cerca de US$ 1,5 bilhão por ano. É menos do que os EUA destinam ao Egito num ano, e, numa região de 35 países, a maior parte do dinheiro vai para a Colômbia.

5. Pouca ação
Bush negou a derrubada da tarifa do álcool a Lula, disse que o tratamento aos imigrantes guatemaltecos (10% da população) continuaria igual e que a barreira separando EUA e México seguirá como o planejado. A exceção foi a Colômbia, onde prometeu trabalhar pela aprovação do Plano Colômbia.

6. "Fuera Bush"
Uma constante acompanhou Bush em todas as suas paradas, apesar do esquema de segurança: protestos populares. Foram da nudez patriótica (no Brasil) à purificação do solo (na Guatemala), passando por coquetéis molotov (na Guatemala) e prisões em massa (na Colômbia). Bush não viu quase nada e conseguiu ignorar a "voz das ruas".

7. Comer ou conversar
Dez minutos após iniciados os encontros com a imprensa ou ao final dos discursos, Bush começava a falar da comida. No Brasil, cobrou o "almoço" que Lula "pagaria" a ele, falou que esperava ansioso o "asado" de Tabaré Vázquez, pediu tortilhas ao presidente da Guatemala e, no México, finalmente, confessaria: "Estoy lleno" (estou satisfeito).

8. "Jorge doblevê"
Por falar em espanhol, a partir do Uruguai o republicano soltou várias frases na língua, com as quais o norte-americano esperava ganhar a simpatia dos locais. Chamou presidentes de "tejanos" (texanos) e se apresentou como "Jorge Doblevê" (George W.) em mais de uma ocasião.

9. É a imigração, estúpido
Quanto mais perto de casa, maior a pressão por uma solução da questão dos imigrantes ilegais nos EUA que vá além da construção do muro na fronteira sul. A conversa com Óscar Berger (Guatemala) foi dominada pelo assunto, Felipe Calderón (México) o recebeu com um discurso duro a respeito. Tamanha pressão fez Bush falar pela primeira vez num prazo para a aprovação da reforma da atual lei imigratória norte-americana: agosto deste ano. A questão opõe democratas a republicanos e há também divisões dentro dos dois partidos.

10. Não adianta fugir
Por mais que tenha tentado fugir dos problemas domésticos, Bush não conseguiu evitar assuntos espinhosos como o Iraque e denúncias contra membros de seu governo.


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