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TENSÃO NO ORIENTE MÉDIO
Jornalista relata destruição após ofensiva israelense; estimativas de mortos vão de dezenas, segundo Israel, a 500, segundo palestinos
Campo de refugiados de Jenin está arrasado
JAMES BENNET
DO "THE NEW YORK TIMES",
NO CAMPO DE REFUGIADOS DE JENIN
No segundo andar de uma casa,
umas poucas crianças brincavam
no sábado em um balanço de corda enquanto perto dali atiradores
israelenses disparavam contra
um campo detonado. No canto
escuro do quarto, apoiando-se
numa parede e observando as
crianças brincarem, um combatente palestino que sobrevivera
aos ataques se escondia.
Seu rosto era uma teia de queimaduras escuras. Bolhas do tamanho de moedas marcavam sua
mão esquerda. A perna esquerda
estava toda queimada. Ele tinha
visto três companheiros morrerem num ataque de granada.
"Nós não esperávamos que eles
usassem essa força militar", disse
ele. Um passeio de três horas, no
sábado, feito com guias locais que
se esgueiravam por trilhas entre
os tanques israelenses, mostrou
uma destruição em escala bem
maior do que a já vista em outras
cidades palestinas que caíram
diante da ofensiva israelense, a
maior operação militar do país
em 20 anos. Israel diz que Jenin
era o centro do terrorismo e que
era preciso eliminá-lo pela raiz.
Israel afirmou ontem que houve
dezenas de mortes palestinas na
ação no campo. Antes falara entre
100 e 200 mortos aqui. Mas os palestinos calculam até 500 mortos.
Ninguém ainda sabe quantos foram mortos no combate que durou 11 dias e agora está praticamente encerrado, mas parece que
essa batalha ainda vai ser tema de
muita discussão.
Os palestinos relatam como se
escondiam em cavernas, como
ouviam o filho aleijado de um vizinho gritando enquanto uma casa desabava sobre ele, como eles
colocavam pilhas de colchão sobre as crianças para que as patrulhas israelenses não escutassem o
seu choro. Eles correram aos estrangeiros para contar suas histórias. "Meu pai, meu irmão, meu
filho, perdi todos eles", chorava
uma mulher num roupão rosa e
com um lenço azul claro cobrindo
a cabeça, parada nas ruínas sob o
sol. "Há muitos corpos, muitos
corpos sob as pedras, sob a areia."
Ao longo do que foram ruas estreitas, tratores abriram faixas de
8 m de largura em todo o campo,
derrubando fachadas de casas de
ambos os lados e expondo seus
sofás, fotos de crianças sorrindo e
rosas feitas de pano.
Os tesouros e quinquilharias
das pessoas viraram lixo nessa
terra devastada: um Alcorão rasgado entre destroços de paredes;
um livro escolar de inglês numa
sala sem parede; a foto do ator
Leonardo di Caprio embaixo de
um buraco aberto por um míssil.
Os palestinos disseram que removeram alguns dos mortos. O
Exército israelense também afirmou que removeu alguns corpos.
Israel diz que teriam evitado atirar em civis, e a maioria dos mortos seria de combatentes. Mas os
residentes falaram que muitos civis morreram.
Dois corpos foram encontrados
no sábado, ambos achados no segundo andar de casas destruídas
pelos disparos, ambos irreconhecíveis. Um era de um homem de
mais ou menos 1,60 m. Parte de
um tênis ficou no pé direito. O pé
esquerdo e a mão viraram cinzas.
Uma mulher vestida de preto
chorava sobre o corpo, enquanto
insetos zumbiam no ar pestilento
que envolvia o cadáver. O outro
corpo, poucas casas adiante, estava enterrado sob uma parede.
Apenas um rosto escurecido e
sem traços estava visível. O tênis
de uma criança, com o símbolo da
Nike, estava ao lado.
Nos dois casos, nenhuma arma
foi encontrada, apenas um fragmento de um rifle Kalashnikov
caído ou colocada ali, à direita de
cada corpo.
Uma batalha de relações públicas paira sobre este campo arruinado. A luta pelo campo de Jenin
já se tornou mais um episódio significativo e polêmico na história
de ambos os povos. O governo de
Israel teme que as fotos dos mortos sejam usadas pelos palestinos
para comprovar a existência de
um massacre.
Oficiais israelenses acusam o
governo da Autoridade Nacional
Palestina de não remover os corpos a fim de comprometer Israel,
enquanto oficiais palestinos acusam Israel de soterrar os mortos
com os seus tratores.
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