São Paulo, segunda-feira, 15 de abril de 2002

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TENSÃO NO ORIENTE MÉDIO

Jornalista relata destruição após ofensiva israelense; estimativas de mortos vão de dezenas, segundo Israel, a 500, segundo palestinos

Campo de refugiados de Jenin está arrasado

JAMES BENNET
DO "THE NEW YORK TIMES",
NO CAMPO DE REFUGIADOS DE JENIN

No segundo andar de uma casa, umas poucas crianças brincavam no sábado em um balanço de corda enquanto perto dali atiradores israelenses disparavam contra um campo detonado. No canto escuro do quarto, apoiando-se numa parede e observando as crianças brincarem, um combatente palestino que sobrevivera aos ataques se escondia.
Seu rosto era uma teia de queimaduras escuras. Bolhas do tamanho de moedas marcavam sua mão esquerda. A perna esquerda estava toda queimada. Ele tinha visto três companheiros morrerem num ataque de granada.
"Nós não esperávamos que eles usassem essa força militar", disse ele. Um passeio de três horas, no sábado, feito com guias locais que se esgueiravam por trilhas entre os tanques israelenses, mostrou uma destruição em escala bem maior do que a já vista em outras cidades palestinas que caíram diante da ofensiva israelense, a maior operação militar do país em 20 anos. Israel diz que Jenin era o centro do terrorismo e que era preciso eliminá-lo pela raiz.
Israel afirmou ontem que houve dezenas de mortes palestinas na ação no campo. Antes falara entre 100 e 200 mortos aqui. Mas os palestinos calculam até 500 mortos. Ninguém ainda sabe quantos foram mortos no combate que durou 11 dias e agora está praticamente encerrado, mas parece que essa batalha ainda vai ser tema de muita discussão.
Os palestinos relatam como se escondiam em cavernas, como ouviam o filho aleijado de um vizinho gritando enquanto uma casa desabava sobre ele, como eles colocavam pilhas de colchão sobre as crianças para que as patrulhas israelenses não escutassem o seu choro. Eles correram aos estrangeiros para contar suas histórias. "Meu pai, meu irmão, meu filho, perdi todos eles", chorava uma mulher num roupão rosa e com um lenço azul claro cobrindo a cabeça, parada nas ruínas sob o sol. "Há muitos corpos, muitos corpos sob as pedras, sob a areia."
Ao longo do que foram ruas estreitas, tratores abriram faixas de 8 m de largura em todo o campo, derrubando fachadas de casas de ambos os lados e expondo seus sofás, fotos de crianças sorrindo e rosas feitas de pano.
Os tesouros e quinquilharias das pessoas viraram lixo nessa terra devastada: um Alcorão rasgado entre destroços de paredes; um livro escolar de inglês numa sala sem parede; a foto do ator Leonardo di Caprio embaixo de um buraco aberto por um míssil.
Os palestinos disseram que removeram alguns dos mortos. O Exército israelense também afirmou que removeu alguns corpos. Israel diz que teriam evitado atirar em civis, e a maioria dos mortos seria de combatentes. Mas os residentes falaram que muitos civis morreram.
Dois corpos foram encontrados no sábado, ambos achados no segundo andar de casas destruídas pelos disparos, ambos irreconhecíveis. Um era de um homem de mais ou menos 1,60 m. Parte de um tênis ficou no pé direito. O pé esquerdo e a mão viraram cinzas.
Uma mulher vestida de preto chorava sobre o corpo, enquanto insetos zumbiam no ar pestilento que envolvia o cadáver. O outro corpo, poucas casas adiante, estava enterrado sob uma parede. Apenas um rosto escurecido e sem traços estava visível. O tênis de uma criança, com o símbolo da Nike, estava ao lado.
Nos dois casos, nenhuma arma foi encontrada, apenas um fragmento de um rifle Kalashnikov caído ou colocada ali, à direita de cada corpo.
Uma batalha de relações públicas paira sobre este campo arruinado. A luta pelo campo de Jenin já se tornou mais um episódio significativo e polêmico na história de ambos os povos. O governo de Israel teme que as fotos dos mortos sejam usadas pelos palestinos para comprovar a existência de um massacre.
Oficiais israelenses acusam o governo da Autoridade Nacional Palestina de não remover os corpos a fim de comprometer Israel, enquanto oficiais palestinos acusam Israel de soterrar os mortos com os seus tratores.


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