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São Paulo, quinta-feira, 15 de maio de 2003

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ELEIÇÕES NA ARGENTINA

Futuro presidente faz "discurso de posse", acusa Menem de covarde e diz que não será "prisioneiro de corporações"

Menem sai; Kirchner promete "virar página"

Marcos Brindicci/Reuters
Néstor Kirchner (esq.), ao lado do vice, Daniel Scioli, saúda simpatizantes ao discursar depois do anúncio da desistência de Menem


CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A BUENOS AIRES

Néstor Carlos Kirchner, 53, assumiu ontem, de fato, mas não de direito, a Presidência da República argentina, no exato momento em que as emissoras locais de televisão confirmavam que Carlos Saúl Menem, 72, abandonava a candidatura ao segundo turno do pleito presidencial.
O discurso que Kirchner programara para as 16h começou com 38 minutos de atraso e passeou pela nada humilde pretensão de "virar a página da história e começar a construir um país diferente, com humildade, esperança e otimismo".
A desistência de Menem, sob a alegação de que "não estava garantida a legitimidade democrática" do segundo turno, transforma Kirchner automaticamente em presidente eleito, faltando apenas a proclamação, marcada para o dia 25, o dia em que também haverá a cerimônia de posse.
Por isso mesmo, Kirchner usou o seu pronunciamento como um virtual discurso de posse, pronunciado no hotel Panamericano, quase diante do Obelisco da avenida Nueve de Julio, a exatas 11 quadras da Casa Rosada, a sede governamental.
A primeira parte do discurso foi uma rajada retórica violenta contra Menem, acusado de "covarde" e de, "primeiro, roubar dos argentinos o direito ao trabalho; depois,o direito a comer, o direito a estudar, o direito à esperança".
Kirchner atribuiu a desistência de Menem a uma conspiração dos "grupos e setores econômicos que se beneficiaram com privilégios inadmissíveis na década passada" (Menem governou de 1989 a 1999).
A teoria conspiratória diz que a intenção seria a de "deslegitimar" o processo eleitoral, na medida em que o novo presidente acabou eleito com apenas 22,24% dos votos, a porcentagem obtida no primeiro turno.
Ante essa debilidade, ficaria mais fácil para que tais setores tratassem de "impor a continuidade" das políticas menemistas, sempre segundo o raciocínio de Kirchner.
Se há ou não a suposta conspiração, o fato é que Menem não esqueceu de mencionar os poucos votos de Kirchner, ao falar com jornalistas em La Rioja, a sua Província: "Que ele fique com os 22%; eu fico com o povo".
Kirchner, numa espécie de antecipação de seu discurso de posse, passou do ataque a Menem a olhar para a frente. "Não cheguei até aqui para pactuar com o passado nem para que tudo termine em mero acordo de cúpulas dirigentes", disse.
Afirmou também que não será "prisioneiro das corporações", no único trecho do discurso em que o atual e futuro ministro de Economia, Roberto Lavagna, mexeu-se para concordar, por meio de um sinal de cabeça para a mulher de Kirchner, a senadora Cristina Fernández.
Ao propor-se a "virar a página", insinuou até um governo de coalizão ao convocar os argentinos "sem distinção de partidos e setores".
A platéia, majoritariamente formada por jornalistas e políticos ligados ou ao governo do presidente Eduardo Duhalde ou a Kirchner, explodiu no tradicional cântico de "se siente, se siente, Kirchner presidente". Repetiu uma frase que gosta muito de usar: "Em nome do pragmatismo, não vou deixar as convicções à porta da Casa Rosada".
Terminou com uma retórica clássica em atos do gênero: "Vamos rumo a um novo amanhecer". A platéia explodiu no grito de "Argentina, Argentina".
Tudo o que falta agora para que Kirchner assuma não apenas de fato, mas de direito, é a proclamação da vitória de sua chapa, com o vice Daniel Scioli (ex-menemista, aliás).
A suposta conspiração dos agentes de mercado não combinava com o fato de que a desistência de Menem não provocou mexidas maiores nem na Bolsa de Valores nem no dólar.
A Bolsa até subiu (1,93%). O dólar subiu, é verdade, mas apenas três centavos, para fechar a 2,77 pesos para compra e 2,82 para a venda.
Parece um sinal de que o mercado já dava por certo o fato de que Kirchner seria presidente, desistisse ou não Menem, dada a imensa vantagem do governador de Santa Cruz nas pesquisas.


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