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São Paulo, domingo, 15 de junho de 2003

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COLÔMBIA

Relatórios de órgãos públicos apontam falhas na criação de zonas especiais, tentativa de retomar áreas dos terroristas

Plano de segurança de Uribe é questionado

ROGERIO WASSERMANN
DA REDAÇÃO

O governo colombiano falhou em um dos principais pontos de sua política de segurança -a criação de zonas especiais que marcariam a retomada da presença do Estado sobre territórios controlados pelos grupos armados ilegais. Essa é a conclusão de dois relatórios de órgãos públicos locais (Ouvidoria Pública e Procuradoria Geral), que questionam a eficácia da medida.
A questão da segurança é considerada a espinha dorsal da política do atual governo. O presidente Álvaro Uribe foi eleito, em maio do ano passado, graças à promessa de pulso firme contra os grupos que mantêm uma guerra civil de quatro décadas, com mais de 3.500 mortos ao ano.
Os dois relatórios afirmam que a violência no Departamento de Arauca, local de uma das duas zonas especiais criadas em setembro do ano passado, subiu no período, apesar do aumento do efetivo militar na região. O governo também é criticado por não ter garantido à população civil outras das promessas feitas com a criação da zona especial, como programas de assistência social e econômica.
"A experiência da zona de reabilitação e consolidação de Arauca foi um experimento falho em termos qualitativos e quantitativos, principalmente se colocado na perspectiva de direitos humanos", diz o relatório da Procuradoria Geral. "[As ações do Estado] não deram os resultados previstos e, ao contrário, geraram outras dificuldades adicionais, que vão desde o tema orçamentário até a exposição da população civil a um maior risco do que vinha padecendo", diz o texto.
A Ouvidoria Pública, por sua vez, diz que o estabelecimento da zona especial não evitou o crescimento dos casos de morte violenta e as ameaças contra as autoridades locais. "As ações do Estado, ainda que do ponto de vista militar, são muito pobres em resultados", disse à Folha o ouvidor-geral, Eduardo Cifuentes.
As críticas da Ouvidoria e da Procuradoria Geral são contestadas pelo governo, que acusa os órgãos de "não conhecer a realidade". "A nossa política está destinada a restabelecer o controle estatal onde historicamente as Farc [Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia] e o ELN [Exército de Libertação Nacional] tinham uma presença muito forte", afirmou o vice-ministro da Defesa, Andrés Soto. "É um processo que leva muitos anos", disse.

Presença arraigada
O Departamento de Arauca, numa região rica em petróleo na fronteira com a Venezuela, é um dos locais onde a presença das guerrilhas terroristas de esquerda estava mais arraigada. Os grupos mantinham relacionamento próximo com a população local, muitas vezes fazendo o papel do Estado na região.
Por conta dessa situação, a região foi escolhida para abrigar uma das chamadas zonas de reabilitação e consolidação -a outra foi criada nos Departamentos de Sucre e Bolívar, no norte do país. As zonas de reabilitação foram criadas por decretos presidenciais, possibilitados pelo estabelecimento de um estado de exceção, também por decreto, dando poderes especiais ao Executivo.
Os decretos das zonas de reabilitação previam, entre outras coisas, o aumento do efetivo militar nas regiões, a criação de programas de assistência nas áreas de educação, saúde, trabalho e segurança social, a limitação à circulação de estrangeiros e a possibilidade de as forças militares atuarem com poder de polícia judicial, podendo fazer buscas, prisões e escutas telefônicas sem necessidade de mandado da Justiça.
Os dois últimos pontos foram derrubados com menos de um mês de vigência pela Suprema Corte, que os considerou inconstitucionais. O decreto que estabeleceu o estado de exceção acabou derrubado também pela Suprema Corte no final de abril, após quase nove meses de vigência.
O vice-ministro da Defesa se diz surpreso com a alegação da Procuradoria Geral de que a população civil na região ficou desprotegida, à mercê de possíveis abusos cometidos por militares. "Em Arauca estabelecemos uma norma de acompanhamento das ações militares por parte de um promotor", diz.

Projetos
Apesar de as zonas de reabilitação não estarem mais em vigência, após o fim do estado de exceção, o resultado da experiência é considerado importante para as discussões dos rumos da política de segurança do governo.
Algumas das medidas adotadas, como a concessão de poderes de polícia judicial para o Exército, poderão se tornar permanentes, em todo o país, caso o projeto do Estatuto Antiterror, em discussão no Congresso, seja aprovado.
No fim de maio a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos manifestou, em carta à chanceler colombiana, Carolina Barco, preocupação sobre a legislação proposta pelo governo. Para a comissão, o Estatuto Antiterror "é incompatível com a Convenção Americana de Direitos Humanos". O projeto já passou por três dos oito debates previstos no Senado para a sua aprovação.
O vice-ministro da Defesa admite que "o tema [da concessão de faculdades de polícia judicial ao Exército] é muito sensível e controverso", mas afirma que ele não será imposto, mas o resultado de "um profundo debate".
"O problema é que vivemos um círculo perverso, porque não há autoridade que consiga julgar os membros dos grupos armados", afirma Soto. Segundo ele, muitas vezes as informações e provas recolhidas pelo Exército ao efetuar prisões de guerrilheiros ou paramilitares são posteriormente recusadas na fase do processo, impedindo a condenação. "O que queremos é ter agilidade, para evitar esse tipo de problema."

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