São Paulo, quarta-feira, 15 de junho de 2005

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AMÉRICA DO SUL

Decisão permite agora que centenas de agentes da repressão sejam julgados por crimes cometidos na ditadura

Supremo argentino anula leis de anistia

Natacha Pisarenko/Associated Press
Militantes das Mães da Praça de Maio festejam a decisão do Supremo argentino de considerar inconstitucionais as leis de anistia


MAELI PRADO
DE BUENOS AIRES

A Suprema Corte da Argentina decidiu ontem pela inconstitucionalidade das chamadas "leis do perdão", que por quase 20 anos protegeram centenas de militares de responderem por crimes como assassinatos, torturas e seqüestros cometidos durante a última ditadura militar (1976-83). Foram 7 votos a favor e 1 contra. Um juiz se absteve.
Especialistas estimam que centenas de processos contra repressores tenham sido arquivados por conta da aprovação, em 1986 e 1987, das Leis de Ponto Final e da Obediência Devida.
A justificativa era que os militares não podiam ser julgados por crimes porque estariam apenas cumprindo ordens.
Com a decisão de ontem espera-se que juízes comecem a reabrir as causas e que entre 300 e 400 militares e policiais poderiam ser levados agora a julgamento.

Leis
As duas leis foram promulgadas durante o governo democrático de Raúl Alfonsín (1983-89).
A Lei do Ponto Final, de 1986, estabelecia um prazo-limite (de 60 dias a partir daquela data) para a apresentação de novas causas contra envolvidos na repressão.
A Lei de Obediência Devida, sancionada um ano mais tarde, pouco depois de um levante promovido pelo tenente-coronel Aldo Rico, isentou de culpa os oficiais subalternos, com base no fato de que, supostamente, estariam cumprindo ordens.
O governo de Alfonsín passava por um período de intensas rebeliões militares, e o argumento era de que as duas leis eram fundamentais para garantir a estabilidade da democracia no país.
Desde então, grupos de direitos humanos argentinos vêm batalhando na Justiça para conseguir a anulação das leis -a decisão de ontem é atribuída em grande parte a sua forte atuação nesse sentido-, com algumas decisões favoráveis. Em março de 2001, o juiz federal Gabriel Cavallo declarou a inconstitucionalidade das leis.
Ontem, Alfonsín enviou uma carta à imprensa local onde afirmou que, com a decisão, a democracia está "definitivamente consolidada" na Argentina.
Justificou, entretanto, a sanção das leis em seu governo. "Estou convencido que em seu momento as leis de Ponto Final e Obediência Devida foram válidas e indispensáveis como ferramentas de proteção dos direitos humanos".
A Suprema Corte decidiu pela inconstitucionalidade das leis no julgamento do desaparecimento do casal Gertrudes Hlaczik e José Poblete Roa, e da filha de ambos, Claudia Victoria, ainda bebê, em 28 de novembro de 1978.

Precedente
A decisão foi amplamente comemorada na Argentina, onde estima-se que até 30 mil pessoas tenham desaparecido durante a ditadura. O presidente argentino, Néstor Kirchner, afirmou que a decisão "devolve a fé dos argentinos na Justiça".
As Mães da Praça de Maio, que há mais de duas décadas protestam todas as quintas-feiras pelos seus filhos e netos desaparecidos, receberam a notícia com festa e lágrimas.
"Eles têm de se sentar diante de um juiz e dizer o que aconteceu. Cada um tem que assumir sua responsabilidade, se lhes resta algo de dignidade", disse a presidente da Mães da Praça de Maio-Linha Fundadora, Nora Cortiñas.
Segundo o advogado Ricardo Gil Laavedra, ministro da Justiça do governo Alfonsín, a decisão é inédita no mundo e pode criar um precedente favorável para decisões similares em outros países.
O receio de alguns especialistas, entretanto, é que, ao longo dos anos de vigência das leis, muitas provas de violações aos direitos humanos tenham sido perdidas.


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