São Paulo, domingo, 15 de junho de 2008

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"Alta de consumo de pó é risco para Cone Sul"

FLÁVIA MARREIRO
DA REDAÇÃO

Na última década, Brasil, Argentina e Chile consolidaram-se como um terceiro mercado -ao lado de EUA e Europa- para o consumo de drogas. O alerta está em estudo recente do International Crisis Group, cujo diretor, Markus Schultze-Kraft, não descarta que o crescimento econômico do Brasil traga na esteira novos consumidores de cocaína.

 

FOLHA - O sr. diz que, na última década, os governos falharam em reduzir a demanda por drogas...
MARKUS SCHULTZE-KRAFT
- Depois de dez anos de esforços, estamos numa situação onde não há somente dois grandes mercados -estável em níveis muito altos, no caso americano, e crescente, no caso europeu-, mas três. O terceiro mercado que está empurrando muito a demanda é o latino -em especial Argentina, Brasil e Chile, mas também o México.

FOLHA - Pode-se relacionar a alta da demanda por droga ao crescimento econômico recente no Cone Sul? Qual o quadro do Brasil?
SCHULTZE-KRAFT
- No Brasil ainda predomina um derivado da cocaína, o crack, que não é consumido, geralmente, por pessoas de maior renda. Portanto, não poderia dizer neste momento se no caso do Brasil temos essa relação. No caso de Chile sim. Lá, a cocaína é uma droga consumida cada vez mais por yuppies e por jovens das classes altas. Na Argentina, há uma tradição de décadas de consumo de cocaína e está se expandindo o uso de "paco" [crack] entre os mais pobres.
Mas não descarto que um país como o Brasil possa assistir a um aumento do uso de cocaína por estratos mais altos. É um perigo. Nos EUA e na Europa, mas também no Brasil, devem ser aplicadas medidas de contenção de demanda entre os mais ricos já.

FOLHA - Há novas ferramentas nesta área? Discute-se a descriminalização da maconha, por exemplo?
SCHULTZE-KRAFT
- As políticas contra drogas, sejam contra a demanda ou a oferta, são ideologizadas. Há uma fissura grande entre diferentes escolas de pensamento. Há aqueles que crêem no enfoque punitivo, como os EUA. Na Europa, trata-se como tema de saúde pública, mas tampouco há avanços. Deve haver um intercâmbio de informações mais sistemático entre as medidas que dão algum resultado e essa informação tem de ser compartilhada desde já com os países da América Latina, que têm de começar a pensar no consumo de drogas ilegais de forma séria. Talvez, caiba ao Brasil liderar esse processo. No âmbito do processo de revisão das metas da ONU sobre o tema, não se discute a descriminalização ou legalização.

FOLHA - Qual a avaliação do centro sobre a aplicação de forças militares no combate ao crime organizado, como no México?
SCHULTZE-KRAFT
- Envolver os militares na luta contra as drogas é um equívoco. Na maior parte das vezes eles não estão preparados, não têm inteligência, que é fundamental, não têm equipamento. Também carrega um grande risco de violação dos direitos humanos. Pode ser uma resposta temporária, em geral politicamente motivada, mas de nenhuma maneira deve-se persistir nessa modalidade. O que dissemos é que o México, como tantos países na região, deve construir boas forças policiais. Isso é o fundamental.

FOLHA - No relatório, pregam-se alternativas de desenvolvimento para populações rurais ligadas ao tráfico. Não parece ingênuo oferecer alternativas a um negócio que tem uma rentabilidade altíssima?
SCHULTZE-KRAFT
- No marco das atuais políticas antidrogas, sem dúvida a concorrência de um produto alternativo lícito com um produto ilícito como a coca é muito difícil. Se as mudanças necessárias na política não acontecerem, se apenas for aplicada a erradicação de cultivos de forma punitiva, sem um esforço sistemático para reduzir a demanda, então essas alternativas tampouco serão a panacéia. A maior ênfase em desenvolvimento alternativo deve ir de mãos dadas com a reconstrução do tecido social.


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