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"Alta de consumo de pó é risco para Cone Sul"
FLÁVIA MARREIRO
DA REDAÇÃO
Na última década, Brasil, Argentina e Chile consolidaram-se como um terceiro mercado
-ao lado de EUA e Europa-
para o consumo de drogas.
O alerta está em estudo recente do International Crisis
Group, cujo diretor, Markus
Schultze-Kraft, não descarta
que o crescimento econômico
do Brasil traga na esteira novos
consumidores de cocaína.
FOLHA - O sr. diz que, na última década, os governos falharam em reduzir a demanda por drogas...
MARKUS SCHULTZE-KRAFT - Depois
de dez anos de esforços, estamos numa situação onde não
há somente dois grandes mercados -estável em níveis muito
altos, no caso americano, e
crescente, no caso europeu-,
mas três. O terceiro mercado
que está empurrando muito a
demanda é o latino -em especial Argentina, Brasil e Chile,
mas também o México.
FOLHA - Pode-se relacionar a alta
da demanda por droga ao crescimento econômico recente no Cone
Sul? Qual o quadro do Brasil?
SCHULTZE-KRAFT - No Brasil ainda predomina um derivado da
cocaína, o crack, que não é consumido, geralmente, por pessoas de maior renda. Portanto,
não poderia dizer neste momento se no caso do Brasil temos essa relação. No caso de
Chile sim. Lá, a cocaína é uma
droga consumida cada vez mais
por yuppies e por jovens das
classes altas. Na Argentina, há
uma tradição de décadas de
consumo de cocaína e está se
expandindo o uso de "paco"
[crack] entre os mais pobres.
Mas não descarto que um
país como o Brasil possa assistir a um aumento do uso de cocaína por estratos mais altos. É
um perigo. Nos EUA e na Europa, mas também no Brasil, devem ser aplicadas medidas de
contenção de demanda entre
os mais ricos já.
FOLHA - Há novas ferramentas
nesta área? Discute-se a descriminalização da maconha, por exemplo?
SCHULTZE-KRAFT - As políticas
contra drogas, sejam contra a
demanda ou a oferta, são ideologizadas. Há uma fissura grande entre diferentes escolas de
pensamento. Há aqueles que
crêem no enfoque punitivo, como os EUA. Na Europa, trata-se como tema de saúde pública,
mas tampouco há avanços.
Deve haver um intercâmbio
de informações mais sistemático entre as medidas que dão algum resultado e essa informação tem de ser compartilhada
desde já com os países da América Latina, que têm de começar a pensar no consumo de
drogas ilegais de forma séria.
Talvez, caiba ao Brasil liderar
esse processo.
No âmbito do processo de revisão das metas da ONU sobre o
tema, não se discute a descriminalização ou legalização.
FOLHA - Qual a avaliação do centro
sobre a aplicação de forças militares
no combate ao crime organizado,
como no México?
SCHULTZE-KRAFT - Envolver os
militares na luta contra as drogas é um equívoco. Na maior
parte das vezes eles não estão
preparados, não têm inteligência, que é fundamental, não têm
equipamento. Também carrega
um grande risco de violação dos
direitos humanos. Pode ser
uma resposta temporária, em
geral politicamente motivada,
mas de nenhuma maneira deve-se persistir nessa modalidade. O que dissemos é que o México, como tantos países na região, deve construir boas forças
policiais. Isso é o fundamental.
FOLHA - No relatório, pregam-se
alternativas de desenvolvimento
para populações rurais ligadas ao
tráfico. Não parece ingênuo oferecer alternativas a um negócio que
tem uma rentabilidade altíssima?
SCHULTZE-KRAFT - No marco das
atuais políticas antidrogas, sem
dúvida a concorrência de um
produto alternativo lícito com
um produto ilícito como a coca
é muito difícil. Se as mudanças
necessárias na política não
acontecerem, se apenas for
aplicada a erradicação de cultivos de forma punitiva, sem um
esforço sistemático para reduzir a demanda, então essas alternativas tampouco serão a
panacéia. A maior ênfase em
desenvolvimento alternativo
deve ir de mãos dadas com a reconstrução do tecido social.
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