São Paulo, terça-feira, 15 de setembro de 2009

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Cristina recua de abrir TV a cabo a telefônicas

Ponto, agora retirado de projeto de nova lei de mídia, era principal foco de disputa com Grupo Clarín, alvo de blitz na semana passada

Presidente argentina espera que abandono de medida polêmica resulte em apoio de congressistas reticentes para que lei possa ser votada


Enrique Marcarian/Reuters
A presidente da Argentina, Cristina Kirchner, gesticula durante uma entrevista coletiva na sede do governo, na tarde de ontem

SILVANA ARANTES
DE BUENOS AIRES

O governo argentino recuou ontem de um ponto-chave de seu polêmico projeto de Lei de Serviços Audiovisuais, em discussão no Congresso.
A presidente Cristina Kirchner anunciou em entrevista coletiva que eliminará do texto a autorização às companhias telefônicas para entrar no negócio de TV a cabo e oferecer o "triple play" (telefone, internet e cabo), um mercado de estimados US$ 6 bilhões ao ano.
Cristina disse que essa volta atrás irá "dissipar as dúvidas sinceras que legisladores possam ter tido e eliminar as desculpas que outros utilizavam [para se opor ao projeto]".
A entrada das companhias telefônicas no negócio audiovisual feria os interesses do Grupo Clarín, o maior conglomerado de mídia argentino, que hoje é líder absoluto no mercado da TV a cabo, com cerca de 50% dos assinantes no país.
Na quinta passada, uma blitz da Receita Federal na sede do diário "Clarín" e em residências de diretores do grupo foi vista como uma tentativa do governo de intimidar um jornal opositor e enfraqueceu sua base de apoio ao projeto. O governo Cristina negou responsabilidade na blitz e disse que ela foi uma operação montada por "terceiros" para fragilizar a posição da Casa Rosada na discussão da lei de mídia.
"A objeção fundamental que escutei é que estaríamos substituindo um monopólio [do Grupo Clarín] por outro, com a inclusão das telefônicas na nova lei de mídia", disse ontem a presidente.
"Creio que tivemos um formidável avanço, porque admitimos que evidentemente há um monopólio na Argentina e que então não se pode substituí-lo por outro", arrematou.
O "Clarín" contestou em sua edição de anteontem a avaliação do governo de que detém um monopólio. O jornal apresentou porcentagens comparativas de propriedade de veículos impressos, rádios e TVs e suas respectivas parcelas de audiência e afirmou que o grupo "é líder num mercado plural e competitivo".

Suspeitas
As ressalvas sobre o papel que teriam as companhias telefônicas no mercado audiovisual argentino com a eventual aprovação da nova lei iam além de uma eventual conformação monopolista.
O casal Kirchner estaria agindo para favorecer um empresário amigo em futuros contratos, segundo versão de diversos jornais argentinos, sobretudo o "La Nación", que há meses investiga o assunto.
O fio condutor da manobra seria a decisão tomada no mês passado pela Comissão Nacional de Defesa da Concorrência de obrigar a Telecom Itália a retirar seus investimentos feitos na Telecom Argentina, porque eles configuram monopólio.
Por trás dessa decisão haveria um acerto dos Kirchner para a compra da parcela da Telecom Itália por um empresário aliado do governo. O Grupo Clarín, que também teria interesse em adquirir o negócio, editou no mês passado reportagens em seu diário acusando o empresário de ser o mandante de um assassinato há 15 anos.
Cristina afirmou que a inclusão das companhias telefônicas no projeto "tem a ver com os princípios contidos na lei de distinção entre conteúdo, transmissão e distribuição e com o aspecto da convergência tecnológica, que é inexorável".
A presidente afirmou que, além de esclarecer as razões da inclusão das telefônicas, queria deixar claro que seu propósito com o projeto "é essencialmente dotar a sociedade argentina de um instrumento legal que possa permitir que se escutem as vozes de todos e se desmonopolize esse setor".
O governo tem pressa em votar o projeto de lei de mídia antes de dezembro, quando assumem os parlamentares eleitos em junho, e o Congresso passa a ter maioria opositora.
Estão em curso negociações para votar nesta semana ou na próxima a ratificação do projeto na Câmara dos Deputados.


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