São Paulo, sexta-feira, 15 de novembro de 2002

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Haverá guerra, acreditam iraquianos em Bagdá

NICHOLAS HÉNIN
DO "LE MONDE", EM BAGDÁ

Assim que a decisão de Saddam Hussein foi divulgada, as TVs iraquianas interromperam os programas religiosos e dramas históricos típicos nas tardes do Ramadã. Os apresentadores leram e releram inúmeras vezes a carta de nove páginas na qual Bagdá diz aceitar os termos da resolução 1441. Assim, os iraquianos souberam da notícia e a receberam favoravelmente, mas sem ilusões.
"Esse acordo é uma boa coisa, mas a resolução não é", diz o estudante Ahmed, em Bagdá. "Se tivéssemos recusado a volta dos inspetores, seríamos bombardeados na semana que vem. Entre uma resolução prejudicial a nós e uma guerra, ainda prefiro a resolução prejudicial."
Fahrid, gerente de um restaurante no centro da capital, repete fielmente os argumentos da carta. "A ONU não é justa. Ela deveria ser tão exigente com Israel quanto é conosco. Por que o Iraque é o único que deve dobrar-se diante das resoluções? Israel possui a bomba atômica -por que nós também não podemos ter armas poderosas?".
Fahrid adota uma atitude fatalista. "A América e a ONU são mais fortes do que nós. Elas querem destruir o Iraque. Acho que haverá uma guerra dentro de dois ou três meses." Ele se diz cansado. "Fiz guerra contra o Irã, lutei na Guerra do Golfo, não posso mais combater. Isso não é vida."
Salah é comerciante na zona oeste de Bagdá. Ele ouviu as emissões em árabe da rádio Monte Carlo, uma das poucas fontes de informação independentes no país. "A decisão foi muito boa, porque os iraquianos não queremos guerra", opinou. "Só os americanos querem essa guerra. Nossa concordância com o retorno dos inspetores vai garantir que, se houver uma guerra, ela seja uma guerra americana."
Em todo caso, ele não pretende se deixar derrotar sem reagir. "Se houver uma guerra, todo mundo aqui se defenderá. Todos os iraquianos têm uma arma em casa, e os americanos podem prever o pior", diz. "Eu mesmo tenho um Kalashnikov um casa."
Seu amigo Mohammed é dono da loja ao lado, que se prepara para fechar. "Essa decisão não deveria apenas salvar a paz -deveria também permitir que o embargo fosse levantado", diz ele. "O Iraque é a favor do retorno dos inspetores porque essa é a única maneira de suspender as sanções."

Ceticismo
Os representantes de organizações pacifistas ocidentais, das quais um número cada vez maior vem deslocando pessoal para Bagdá, não demonstram mais confiança do que a população. "Não acho que essa resolução seja portadora de muita esperança", avalia Michael Birmingham, co-fundador da sucursal irlandesa da organização Campaign to End Iraq Sanctions (campanha para pôr fim às sanções contra o Iraque). "A anuência à volta dos inspetores permite uma coisa, e uma apenas: evitar que uma guerra seja lançada imediatamente. A resolução apresenta um número inacreditável de hipóteses nas quais as coisas podem se deteriorar."
Consciente de que o Ocidente pode ter dificuldade em compreender seu engajamento, Birmingham explica: ""Não me preocupo em ser considerado defensor do regime. Conheço muitos iraquianos que não apóiam o governo, mas que tampouco são a favor das sanções impostas a seu povo nem a favor de serem ameaçados com uma guerra. Uma guerra nunca é um bom momento para se instaurar uma democracia nem para fazer valer os direitos humanos e a justiça".
Sob uma grande manchete em letras vermelhas, o jornal "Al Joumhouriya" disse: "Vamos nos adaptar à resolução 1441, apesar de ela conter elementos degradantes para nós, para evitar mais sofrimento para o povo".


Tradução de Clara Allain



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