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Chile lamenta ausência de Lula em discussão acirrada
Para Bachelet, brasileiro teria apaziguado debate entre nacionalistas e liberais
Antes da frase do rei da Espanha em Santiago, costarriquenho condenou gasto militar e Morales denunciou conspirações
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA
Michelle Bachelet, a presidente do Chile, despediu-se dos
delegados que participaram na
semana passada da 17ª Cúpula
Ibero-Americana, com um lamento sentido: "Que falta nos
fez o presidente Lula. Teria sido muito útil para impor a moderação".
Luiz Inácio Lula da Silva já
havia deixado o Chile quando
começou a sessão de encerramento da cúpula, aquela em
que se produziu o maior "hit"
recente de som para celular, o
"Por qué no te callas?", que o rei
da Espanha, Juan Carlos, dirigiu ao presidente da Venezuela,
Hugo Chávez.
A frase foi apenas o coroamento de um intenso debate
conceitual e ideológico, que começou quando o presidente da
Costa Rica, Oscar Arias, introduziu dois temas que desagradam a Chávez.
Criticou os "gastos excessivos com defesa no continente",
que, segundo sua concepção,
comprometem outros investimentos mais úteis, na área social -não mencionou a Venezuela, mas o país de Chávez é o
suspeito de turno em matéria
de corrida armamentista na
América Latina. Arias ainda defendeu o livre comércio, mencionando o tratado com os
EUA, recém-aprovado em plebiscito em seu país, e a abertura
econômica.
Paramilitar
Seguiu-se Evo Morales (Bolívia), que tomou o caminho
oposto. Defendeu o controle do
Estado sobre os recursos naturais e ainda emendou: "Sou a favor do controle de muito mais
coisas", citando serviços básicos (água, eletricidade e transportes) que "não podem ficar
em mãos do setor privado".
O presidente da Bolívia introduziu então o tema da conspiração contra o seu governo,
usando uma foto do embaixador dos EUA na Bolívia ao lado
de um paramilitar colombiano,
tomada durante uma feira em
Santa Cruz de la Sierra.
Para Morales -que estava ao
lado do colombiano Álvaro Uribe-, não teria sido um encontro casual, mas uma evidência
de uma conspiração em que os
paramilitares colombianos estariam preparando milícias para derrubar o seu governo.
O orador seguinte foi o presidente do governo espanhol, o
socialista José Luis Rodríguez
Zapatero, que defendeu a abertura econômica. "Nada nos faz
entender, de antemão, que o
modelo estatizante é o mais
adequado", afirmou.
Falou da integração européia
como um modelo a ser seguido.
Mas sua intervenção, aos ouvidos de delegados que não participaram do debate, "veio com
pinceladas paternalistas".
A vez seguinte foi de Chávez,
que criticou, com a sua oratória
explosiva, o livre comércio, tratado como "instrumento de exploração". O venezuelano concordou com Morales quanto à
suposta ou real ameaça conspiratória, incluindo empresas
privadas na trama.
Nesse ponto, repetiu uma
frase (de Che Guevara) que já
havia usado em outros momentos: previu que a América Latina se transformaria em "vários
Vietnãs", na hipótese de derrubada de seu governo ou do de
Morales. "Esse é o sentido da
história", disparou.
Foi nesse ponto que Chávez
atacou José María Aznar, o antecessor de Zapatero como presidente do governo espanhol,
chamando-o de "fascista".
Zapatero pediu a palavra a
Bachelet, presidente da sessão,
como anfitriã, para defender
Aznar, por mais que tenha com
ele tremendas divergências político-ideológicas. Exigiu respeito a um governante "eleito
pelo povo espanhol".
Chávez, mesmo com o microfone desligado, insistia em
contra-atacar, em voz alta, interrompendo uma e outra vez o
governante espanhol, até que o
rei Juan Carlos saiu-se com o
"Por qué no te callas?".
Gota d'água
A Folha ouviu de diplomatas
alheios ao bate-boca que a irritação do rei, naquele momento,
foi mais com a descortesia de
Chávez, insistindo em interromper Zapatero, do que com
os seus conceitos.
O que definitivamente tirou
o rei do sério foi a fala do nicaragüense Daniel Ortega. Acusou o embaixador espanhol em
Manágua de estar se reunindo
com opositores para "fazer
proselitismo" contra ele, que
foi revolucionário de esquerda
mas hoje governa em aliança
com a extrema-direita.
O chanceler espanhol Miguel
Ángel Moratinos fez cara de
quem duvidava da versão, o
que levou Ortega, a sério ou
brincando, a dizer que não descartava a hipótese de que tanto
o rei como Moratinos tivessem
ações das empresas envolvidas
na suposta conspiração.
O rei levantou-se e deixou a
sala. Bachelet foi atrás dele,
mas só conseguiu trazê-lo de
volta para a sessão de encerramento. Terminada a cerimônia, Ortega foi conversar com o
rei. O jornal espanhol "El País"
diz que ele pediu desculpas,
mas as fontes da Folha estavam longe demais da conversa
para confirmar.
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