São Paulo, quinta-feira, 15 de novembro de 2007

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Chile lamenta ausência de Lula em discussão acirrada

Para Bachelet, brasileiro teria apaziguado debate entre nacionalistas e liberais

Antes da frase do rei da Espanha em Santiago, costarriquenho condenou gasto militar e Morales denunciou conspirações

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

Michelle Bachelet, a presidente do Chile, despediu-se dos delegados que participaram na semana passada da 17ª Cúpula Ibero-Americana, com um lamento sentido: "Que falta nos fez o presidente Lula. Teria sido muito útil para impor a moderação".
Luiz Inácio Lula da Silva já havia deixado o Chile quando começou a sessão de encerramento da cúpula, aquela em que se produziu o maior "hit" recente de som para celular, o "Por qué no te callas?", que o rei da Espanha, Juan Carlos, dirigiu ao presidente da Venezuela, Hugo Chávez.
A frase foi apenas o coroamento de um intenso debate conceitual e ideológico, que começou quando o presidente da Costa Rica, Oscar Arias, introduziu dois temas que desagradam a Chávez.
Criticou os "gastos excessivos com defesa no continente", que, segundo sua concepção, comprometem outros investimentos mais úteis, na área social -não mencionou a Venezuela, mas o país de Chávez é o suspeito de turno em matéria de corrida armamentista na América Latina. Arias ainda defendeu o livre comércio, mencionando o tratado com os EUA, recém-aprovado em plebiscito em seu país, e a abertura econômica.

Paramilitar
Seguiu-se Evo Morales (Bolívia), que tomou o caminho oposto. Defendeu o controle do Estado sobre os recursos naturais e ainda emendou: "Sou a favor do controle de muito mais coisas", citando serviços básicos (água, eletricidade e transportes) que "não podem ficar em mãos do setor privado".
O presidente da Bolívia introduziu então o tema da conspiração contra o seu governo, usando uma foto do embaixador dos EUA na Bolívia ao lado de um paramilitar colombiano, tomada durante uma feira em Santa Cruz de la Sierra.
Para Morales -que estava ao lado do colombiano Álvaro Uribe-, não teria sido um encontro casual, mas uma evidência de uma conspiração em que os paramilitares colombianos estariam preparando milícias para derrubar o seu governo.
O orador seguinte foi o presidente do governo espanhol, o socialista José Luis Rodríguez Zapatero, que defendeu a abertura econômica. "Nada nos faz entender, de antemão, que o modelo estatizante é o mais adequado", afirmou.
Falou da integração européia como um modelo a ser seguido. Mas sua intervenção, aos ouvidos de delegados que não participaram do debate, "veio com pinceladas paternalistas".
A vez seguinte foi de Chávez, que criticou, com a sua oratória explosiva, o livre comércio, tratado como "instrumento de exploração". O venezuelano concordou com Morales quanto à suposta ou real ameaça conspiratória, incluindo empresas privadas na trama.
Nesse ponto, repetiu uma frase (de Che Guevara) que já havia usado em outros momentos: previu que a América Latina se transformaria em "vários Vietnãs", na hipótese de derrubada de seu governo ou do de Morales. "Esse é o sentido da história", disparou.
Foi nesse ponto que Chávez atacou José María Aznar, o antecessor de Zapatero como presidente do governo espanhol, chamando-o de "fascista".
Zapatero pediu a palavra a Bachelet, presidente da sessão, como anfitriã, para defender Aznar, por mais que tenha com ele tremendas divergências político-ideológicas. Exigiu respeito a um governante "eleito pelo povo espanhol".
Chávez, mesmo com o microfone desligado, insistia em contra-atacar, em voz alta, interrompendo uma e outra vez o governante espanhol, até que o rei Juan Carlos saiu-se com o "Por qué no te callas?".

Gota d'água
A Folha ouviu de diplomatas alheios ao bate-boca que a irritação do rei, naquele momento, foi mais com a descortesia de Chávez, insistindo em interromper Zapatero, do que com os seus conceitos.
O que definitivamente tirou o rei do sério foi a fala do nicaragüense Daniel Ortega. Acusou o embaixador espanhol em Manágua de estar se reunindo com opositores para "fazer proselitismo" contra ele, que foi revolucionário de esquerda mas hoje governa em aliança com a extrema-direita.
O chanceler espanhol Miguel Ángel Moratinos fez cara de quem duvidava da versão, o que levou Ortega, a sério ou brincando, a dizer que não descartava a hipótese de que tanto o rei como Moratinos tivessem ações das empresas envolvidas na suposta conspiração.
O rei levantou-se e deixou a sala. Bachelet foi atrás dele, mas só conseguiu trazê-lo de volta para a sessão de encerramento. Terminada a cerimônia, Ortega foi conversar com o rei. O jornal espanhol "El País" diz que ele pediu desculpas, mas as fontes da Folha estavam longe demais da conversa para confirmar.


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