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ANÁLISE
Prisão do ex-ditador dá alento a abertura árabe
SÉRGIO MALBERGIER
EDITOR DE MUNDO
A captura de Saddam Hussein é
uma ótima notícia para a campanha de reeleição de George W.
Bush, mas, potencialmente, pode
ser ainda melhor para os iraquianos e os árabes em geral.
O mais sangrento ditador árabe
deve terminar seus dias preso, pagando pelos crimes hediondos
que cometeu -um poderoso estimulante para as ainda tímidas
forças democráticas árabes.
Ele foi um dos piores ditadores
da história recente -há estimativas de que seu regime possa ter
matado mais de 1 milhão.
Sua prisão esvazia o mito do temível ditador. Durante seu regime, era difícil conseguir nas ruas
de Bagdá uma opinião sobre Saddam, por causa do medo de represálias que apenas o som de seu
nome causava. Ao ver as imagens
humilhantes de sua prisão os iraquianos não temerão mais o espectro da volta do ditador.
Mas o maior benefício da prisão
de Saddam pode ser um reforço
do tímido movimento de abertura no mundo árabe. Dos 22 países-membros da Liga Árabe, não
há uma democracia sequer. E ditadores árabes só deixam o poder
quando morrem ou são derrubados à bala. Praticamente nenhum
vai a julgamento por seus crimes.
Apesar do inútil derramamento
de sangue no conflito com o Irã,
das derrotas militares humilhantes em 1991 e neste ano, apesar do
também humilhante regime de
sanções de 1990 até a queda do regime, em abril último, Saddam
mantinha fama entre setores árabes de bravo guerreiro por resistir
e desafiar os odiados americanos.
No início da guerra deste ano, a
difusão triunfal pelas redes de TV
pan-árabes de notícias como a Al
Jazira de alguns sucessos iniciais
das forças iraquianas contra as
tropas invasoras levou ao fortalecimento na rua árabe do mito de
que Saddam era o único líder entre eles capaz de enfrentar os americanos (sem contar o terrorista
saudita Osama bin Laden). Não
que os árabes não conhecessem
os crimes do iraquiano, que gostava de se comparar a Saladino, o
líder islâmico (curdo) que expulsou os cruzados de Jerusalém.
Mas a lógica era a de que os EUA
imperiais eram ainda piores que
Saddam, por sua política hegemônica numa região profundamente marcada pelos equívocos
dos impérios coloniais, apoiando
as ditaduras árabes e, principalmente, o demonizado Israel.
Seria muito melhor se Saddam
tivesse sido deposto, capturado e
julgado por iraquianos ou árabes.
Que Saddam agora seja julgado
publicamente por seus conterrâneos iraquianos que tanto sofreram sob seu regime sanguinário.
Esse histórico julgamento seria
uma poderosa arma para conscientizar os árabes de que, por
pior que sejam hoje as políticas de
EUA e Israel, e por mais que sofram os efeitos devastadores da
colonização e das alianças espúrias entre potências estrangeiras e
ditaduras locais, seus problemas
são fruto principalmente do total
desarranjo e da injustiça que permeiam suas sociedades autoritárias e que seu atraso em relação a
outras partes do mundo é fruto
desse estado de coisas, não de
ações de forças externas.
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