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Santa Cruz desafia Evo com autonomia hoje
Na capital do departamento mais rico da Bolívia, oposição leva estatuto de autogoverno à proclamação em praça pública
Processo liderado por governadores se repetirá em mais 3 departamentos; camponeses pró-Morales prometem resistir à medida
FLÁVIA MARREIRO
ENVIADA ESPECIAL A SANTA CRUZ
(BOLÍVIA)
Em um clube nos arredores
da principal praça da cidade de
Santa Cruz, militantes fabricam máscaras com garrafas pet
para se proteger contra gases e
organizam bandeiras com as
cores do mais rico departamento boliviano.
Os preparativos são para a
festa "Já somos autônomos",
na tarde de hoje, quando os políticos locais apresentarão à população documento em que defendem independência administrativa em relação a La Paz.
O Estatuto Autonômico do
departamento foi aprovado anteontem por uma Assembléia
Autônomica Provisória, formada pelo governador, Rubén
Costas, parlamentares nacionais, prefeitos e representantes
indígenas. À revelia da atual
Carta boliviana e desconhecendo o projeto de nova Constituição aprovado por governistas e
aliados, eles pretendem submeter o documento à consulta
da população cruzenha.
Santa Cruz quer legislar sobre terras, hidrocarbonetos
(gás e petróleo) e ter polícia
própria. O mesmo farão hoje
outros três departamentos: Tarija, Pando e Beni.
O governo de Evo Morales
afirma que a iniciativa é ilegal.
Ontem, no interior de Santa
Cruz, camponeses pró-Morales
prometeram resistir à proclamação de autonomia e fechar
estradas do departamento.
Sob declarações da oposição
de que La Paz se prepara para
militarizar a zona, a ordem em
Santa Cruz é fazer uma festa
num parque da cidade. As máscaras, dizem, são para se proteger da Polícia Nacional, cujo
efetivo local foi reforçado.
Na praça, um punhado de
tendas abrigava ontem militantes dos mais variados setores
-de produtores agropecuários
a pedreiros-, em greve de fome
para protestar contra "o autoritarismo do governo". O calor
era aplacado por ventiladores, e
a alguns tomavam refrigente.
Em uma das tendas, Piedades Roca, vice-presidente da
CAO (Câmera Agropecuária do
Oriente), comenta que deixou a
greve de fome no dia anterior,
feliz por estar alguns quilos
mais magra. "Vamos levar a autonomia adiante. O imbecil do
presidente parece que não sabe
que somos nós que garantimos
a segurança alimentar do país."
Roca diz que Santa Cruz não
pode aceitar a nova Carta, tampouco o referendo que perguntará à população se um latifúndio tem 5.000 ha ou 10 mil ha,
porque isso significará a destruição do modelo produtivo da
região, responsável por 40%
das exportações da Bolívia.
"O governo fala de modelo
comunitário de economia, mas
nem quem eles acham que estão defendendo está a favor.
Não somos a favor do latifúndio, mas é preciso ter políticas
diferentes para pequenos e médios produtores e para empresas agropecuárias", pondera.
Miss e Exército
No centro da cidade, são muitos os ambulantes que também
concordam com a proposta do
Estatuto Autonômico. "Evo
não pode governar só para La
Paz e Oruro. Se lá fosse bom, as
pessoas não viriam para cá buscar trabalho. Defendo a autonomia para que Santa Cruz não
fique pobre como eles", diz Angélica Menezes, 23, dois filhos.
Segundo dados da ONU, o departamento é o de menor índice de pobreza extrema, cerca de
25%, contra 40% no país.
O taxista Walter Lugo, 34, diz
defender a autonomia, mas não
a que pregam os dirigentes cruzenhos. "Sou daqui, mas estou
com Evo. Os cívicos [referência
ao comitê formado pela elite
política e econômica do departamento] estão fazendo essa
campanha por seu próprio interesse, por causa de terra."
No bairro Plan 3000, na periferia da cidade, o cruzenho Oswaldo Quezada, 26, dono de
uma locadora, concorda com
Lugo. Mas Maria Verônica, 26,
se diz assustada com a inflação
no governo Morales - -que
chegou a 11% neste ano.
No clima de polarização, até a
Miss Bolívia 2007, Katherine
David, que é do interior de Santa Cruz, teve de se pronunciar
ontem: "Eu não estou a favor de
um ou de outro. Eu me chamo
Bolívia, estou com todos. Não
quero que a Bolívia se separe",
disse, numa cerimônia em que
foi condecorada pela 8ª Divisão
do Exército, localizada na capital cruzenha.
É sobre os quartéis que recaem as maiores pressões agora. Opositores, inclusive o governador Rubén Costas, insinuam que, se o comando militar ordenar uma ação contra o
departamento, os soldados da
unidade não obedecerão.
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