São Paulo, sábado, 15 de dezembro de 2007

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Gastos do governo russo afetam preços

Apesar de controle do fluxo de dólares, inflação sobe, agravando desigualdade em país de bilionários

IGOR GIELOW
ENVIADO ESPECIAL A MOSCOU

Dois ovos dão a medida da questão da disparidade social na Rússia e, no caso de um deles, de como o governo está se arriscando para evitar danos eleitorais no pleito presidencial do ano que vem.
O primeiro ovo veio do ateliê de Carl Fabergé, o joalheiro que fazia obras de arte impressionantes para os czares russos. Nesse caso, ele não serviu à casa dos Romanov, mas sim à casa bancária Rotschild, para o qual a peça foi feita em 1902.
No fim do mês passado, foi arrematado como a mais cara peça de arte russa da história, por US$ 18,5 milhões, ou aproximadamente R$ 33,3 milhões. O comprador é um dos 53 bilionários russos da lista da revista "Forbes", Alexander Ivanov.
O Fabergé foi a cereja no bolo de semanas agitadas para os ultra-ricos russos. No fim de novembro, havia ocorrido a Feira dos Milionários, um evento em que os exageros deram o tom.
Havia um tigre-de-dentes-de-sabre empalhado (apenas os dentes originais) por US$ 75 mil, um Mercedes cravejado de cristais Svarovski por US$ 350 mil, e por aí foi. O dinheiro que circulou não é divulgado, mas 45 mil visitantes passaram pelos quatro dias de exposição.
Na semana retrasada, além do Fabergé, foi a vez do Luxo Supremo, uma conferência promovida pelo "International Herald Tribune". Lá a elite mundial do setor de luxo se reuniu, pela primeira vez em Moscou, para discutir os rumos do negócio. Chegaram à conclusão de que em cinco anos ele vai dobrar dos atuais US$ 220 bilhões, e que em dez anos os emergentes Rússia, China e Índia vão responder por um terço das vendas.

De galinha
Longe dali, no mercado de rua de Petrovsko-Razumovskaia, na periferia norte da cidade, estava o segundo ovo.
Esse veio de uma galinha mesmo. Vendidos em pacotes de dez unidades, cada um custa 3 rublos -ou R$ 0,07. Havia três meses, custava 2 rublos. É a inflação, que volta a assustar.
O governo usou um inteligente truque antiinflacionário, o Fundo de Estabilização, quando os preços do petróleo começaram a subir e ficou claro que a Rússia ia se beneficiar muito. Desde 2004, 80% de todo o petrodólar obtido acima de US$ 27 em cada barril é retido para o fundo, que já está com US$ 160 bilhões. Assim, o governo evitou que a economia fosse inundada pelos dólares, levando o alto suprimento de dinheiro a gerar inflação -motivo hoje apontado para parte da crise russa dos anos 90.
Mas o mesmo petróleo é viciante, e incentivou o governo a começar a gastar mais com salários e pensões neste ano, pressionando os índices de inflação de forma geral.
Além disso, um motivo mais prosaico atacou diretamente o índice de preços ao consumidor, cuja meta é de 8% mas que deverá ficar em até 11%: uma campanha contra imigrantes ilegais da Geórgia, vizinho e adversário de Moscou.
"Isso significou que os mercados de rua que vendem comida barata foram fechados por falta de gente e foi cortado o tradicional fluxo de alimentos baratos do sul da Rússia, trazidos por eles no verão", afirmou Chris Weaver, estrategista-chefe da corretora Uralsib.
"Além disso, as pessoas querem agora comprar nos supermercados, não na rua. E lá as coisas são mais caras, até porque boa parte é importada em euro", diz ele. Com isso, o item alimentação está chegando aos 15% de aumento no fim do ano.
Aí entra a esperteza. O governo sugeriu um congelamento de dez itens da cesta básica para segurar a inflação até pelo menos março -quando haverá a eleição presidencial que deverá referendar Dmitri Medvedvev como presidente supostamente fantoche de Vladimir Putin. Ameaçou até passar uma lei para coibir "aumentos abusivos" de preço. "Muitos setores quiseram agradar o Kremlin", disse Katya Malofeeva, da Renaissance Capital. "Foi eleitoral mesmo", emenda Weaver.


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