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Gastos do governo russo afetam preços
Apesar de controle do fluxo de dólares, inflação sobe, agravando desigualdade em país de bilionários
IGOR GIELOW
ENVIADO ESPECIAL A MOSCOU
Dois ovos dão a medida da
questão da disparidade social
na Rússia e, no caso de um deles, de como o governo está se
arriscando para evitar danos
eleitorais no pleito presidencial
do ano que vem.
O primeiro ovo veio do ateliê
de Carl Fabergé, o joalheiro que
fazia obras de arte impressionantes para os czares russos.
Nesse caso, ele não serviu à casa dos Romanov, mas sim à casa
bancária Rotschild, para o qual
a peça foi feita em 1902.
No fim do mês passado, foi
arrematado como a mais cara
peça de arte russa da história,
por US$ 18,5 milhões, ou aproximadamente R$ 33,3 milhões.
O comprador é um dos 53 bilionários russos da lista da revista
"Forbes", Alexander Ivanov.
O Fabergé foi a cereja no bolo
de semanas agitadas para os ultra-ricos russos. No fim de novembro, havia ocorrido a Feira
dos Milionários, um evento em
que os exageros deram o tom.
Havia um tigre-de-dentes-de-sabre empalhado (apenas os
dentes originais) por US$ 75
mil, um Mercedes cravejado de
cristais Svarovski por US$ 350
mil, e por aí foi. O dinheiro que
circulou não é divulgado, mas
45 mil visitantes passaram pelos quatro dias de exposição.
Na semana retrasada, além
do Fabergé, foi a vez do Luxo
Supremo, uma conferência
promovida pelo "International
Herald Tribune". Lá a elite
mundial do setor de luxo se
reuniu, pela primeira vez em
Moscou, para discutir os rumos
do negócio. Chegaram à conclusão de que em cinco anos ele
vai dobrar dos atuais US$ 220
bilhões, e que em dez anos os
emergentes Rússia, China e Índia vão responder por um terço
das vendas.
De galinha
Longe dali, no mercado de
rua de Petrovsko-Razumovskaia, na periferia norte da cidade, estava o segundo ovo.
Esse veio de uma galinha
mesmo. Vendidos em pacotes
de dez unidades, cada um custa
3 rublos -ou R$ 0,07. Havia
três meses, custava 2 rublos. É a
inflação, que volta a assustar.
O governo usou um inteligente truque antiinflacionário,
o Fundo de Estabilização,
quando os preços do petróleo
começaram a subir e ficou claro
que a Rússia ia se beneficiar
muito. Desde 2004, 80% de todo o petrodólar obtido acima de
US$ 27 em cada barril é retido
para o fundo, que já está com
US$ 160 bilhões. Assim, o governo evitou que a economia
fosse inundada pelos dólares,
levando o alto suprimento de
dinheiro a gerar inflação -motivo hoje apontado para parte
da crise russa dos anos 90.
Mas o mesmo petróleo é viciante, e incentivou o governo a
começar a gastar mais com salários e pensões neste ano,
pressionando os índices de inflação de forma geral.
Além disso, um motivo mais
prosaico atacou diretamente o
índice de preços ao consumidor, cuja meta é de 8% mas que
deverá ficar em até 11%: uma
campanha contra imigrantes
ilegais da Geórgia, vizinho e adversário de Moscou.
"Isso significou que os mercados de rua que vendem comida barata foram fechados por
falta de gente e foi cortado o
tradicional fluxo de alimentos
baratos do sul da Rússia, trazidos por eles no verão", afirmou
Chris Weaver, estrategista-chefe da corretora Uralsib.
"Além disso, as pessoas querem agora comprar nos supermercados, não na rua. E lá as
coisas são mais caras, até porque boa parte é importada em
euro", diz ele. Com isso, o item
alimentação está chegando aos
15% de aumento no fim do ano.
Aí entra a esperteza. O governo sugeriu um congelamento
de dez itens da cesta básica para segurar a inflação até pelo
menos março -quando haverá
a eleição presidencial que deverá referendar Dmitri Medvedvev como presidente supostamente fantoche de Vladimir
Putin. Ameaçou até passar uma
lei para coibir "aumentos abusivos" de preço. "Muitos setores quiseram agradar o Kremlin", disse Katya Malofeeva, da
Renaissance Capital. "Foi eleitoral mesmo", emenda Weaver.
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