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Autor de "Guerras Justas e Injustas" diz que ataque é evitável, mas que é preciso conter Saddam, ainda que pela força
Discurso pacifista é negativo, diz analista
OTÁVIO DIAS
DA REDAÇÃO
As manifestações deste final de
semana contra uma eventual
guerra no Iraque transmitirão
uma mensagem negativa se tiverem um caráter simplesmente pacifista, porque o ditador iraquiano, Saddam Hussein, representa
uma ameaça à paz mundial e precisa ser contido, inclusive com a
ameaça de uso da força militar.
É o que diz o professor americano Michael Walzer, 67, autor de
"Guerras Justas e Injustas" (1977),
livro de referência para estudiosos dos conflitos militares por fazer uma análise rigorosa, a partir
de exemplos históricos, de suas
justificativas, limites, excessos e
consequências.
Para Walzer, existem alternativas para evitar uma guerra no Iraque e, portanto, ela deve ser evitada. "É uma mensagem difícil, mas
as manifestações deveriam defender um sistema permanente de
contenção do Iraque", afirmou
Walzer, em entrevista à Folha.
Para garantir seu sucesso, esse
sistema de contenção do Iraque
precisaria estar apoiado numa intenção clara de uso da força militar, pois Saddam já mostrou, nos
anos 90, que não pretende cumprir as resoluções da ONU que
exigem seu desarmamento.
Walzer é pesquisador do Instituto de Estudos Avançados, organização independente sediada em
Princeton (Nova Jersey, Costa
Leste dos EUA). Autor de mais de
20 livros, edita a revista Dissent
(www.dissentmagazine.org), de
intelectuais de esquerda.
Folha - Neste final de semana, estão ocorrendo manifestações contra uma eventual guerra no Iraque
em todo o mundo. Qual é a sua opinião sobre a mensagem pacifista?
Michael Walzer - O pacifismo é
uma mensagem ruim, porque
não acredito que as inspeções da
ONU possam funcionar -e presumo que os manifestantes querem que elas funcionem- sem a
ameaça de uso da força. Se queremos evitar a guerra, temos de estar dispostos a usar a força contra
Saddam Hussein. Embora seja
uma mensagem difícil, as manifestações deveriam defender um
sistema permanente de contenção do Iraque, que dure enquanto
durar o atual regime iraquiano.
Folha - Se o Iraque deve ser contido, por que o sr. é contra a guerra?
Walzer - O regime iraquiano é
uma tirania cruel, que tem tentado desenvolver armas de destruição em massa e representa uma
ameaça a seus vizinhos e à paz
mundial. Mas, enquanto for possível manter de pé e funcionando
um conjunto de medidas que
controle o regime, acho errado
iniciar uma guerra. Se ela pode ser
evitada, deve ser evitada.
Folha - Que conjunto de medidas
seria esse que, na sua visão, poderia ser uma alternativa à guerra?
Walzer - Um embargo aperfeiçoado, a extensão das zonas de exclusão para aviões iraquianos e
um sistema de inspeções muito
forte, apoiado por tropas internacionais. O embargo deveria ser
baseado em sanções inteligentes,
que permitam a entrada de produtos necessários à população civil, mas impeçam a compra de suprimentos e de tecnologia militares. Quanto às zonas de exclusão
aérea, elas deveriam ser ampliadas para todo o território iraquiano, com participação de países
europeus em seu monitoramento. As inspeções precisariam estar
sustentadas por uma ameaça concreta de uso da força, com a presença de soldados da ONU no Iraque. Só uma ação multilateral forte pode impedir que o governo
Bush lance um ataque unilateral.
Folha - França e Alemanha apresentaram propostas semelhantes
nos últimos dias. Mas há um paradoxo. Durante 12 anos, o Iraque fez
o que pôde para bloquear as inspeções. E França, Rússia e China,
membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, em vez
de reforçarem as inspeções, sugeriram que o embargo fosse levantado antes que o desarmamento fosse comprovado. Agora, diante da
ameaça bem concreta de um ataque americano, os três países acima propõe o fortalecimento das
inspeções. Não é contraditório?
Walzer - O colapso das inspeções
foi um desastre para a ONU e, embora a administração Clinton seja
em parte responsável, França e
Rússia são as maiores responsáveis. Os franceses e os russos foram os principais parceiros comerciais do Iraque durante os
anos 90 e adotaram uma política
de conciliação com o regime de
Saddam. Por isso, é difícil levar
suas propostas atuais a sério. O
momento certo para usar a força
contra o Iraque teria sido em
1998, quando Saddam estava claramente obstruindo as inspeções.
Deveria ter sido uma guerra da
ONU, para fazer cumprir suas resoluções, e não uma guerra americana. Agora, é preciso agir para
recriar um sistema de inspeções
forte, que esteja baseado numa intenção clara de uso da força militar para garantir seu sucesso. E a
ameaça não deve ser apenas americana ou britânica. França, Rússia e China precisam se juntar.
Folha - Essa combinação de medidas teria importantes efeitos colaterais. O embargo, por exemplo,
tem tido resultados devastadores
para os civis. Não seria preferível
derrubar Saddam?
Walzer - Uma guerra curta poderia ser preferível a um sistema
permanente de contenção do Iraque. Mas ninguém pode garantir
que ela será curta.
Folha - Na primeira Guerra do
Golfo, não houve grande resistência por parte das forças iraquianas.
Walzer - Sim, mas a primeira
guerra não foi lutada no Iraque e
sim no Kuait. Se uma única divisão de guardas republicanos decidir defender Bagdá, poderá haver
um banho de sangue.
Folha - Quando os EUA decidiram
atacar o Afeganistão, em 2001,
também havia o temor de que a
guerra fosse longa e sangrenta.
Houve mortos, mas o Taleban [milícia extremista islâmica que governava o país" caiu rapidamente.
Walzer - É verdade. Mas é preciso verificar quais são as alternativas e quais são os riscos. No caso
do Iraque, há alternativas, o que
não acontecia no caso do Afeganistão. E os riscos me parecem
maiores. Provavelmente não participarei dos atos pacifistas, mas,
neste momento, creio ser melhor
tentar evitar uma guerra.
Folha - Seu livro mais famoso,
"Guerras Justas e Injustas", foi publicado em 1977 e é uma referência. Quais seriam os princípios de
uma guerra justa 25 anos depois?
Walzer - Não mudaram muito. O
paradigma de uma guerra justa é
o princípio da autodefesa. Uma
ação militar também é justa se for
para ajudar alguém que está se defendendo. A terceira justificativa é
uma guerra com fins humanitários. No século 20, diversas vezes
nos vimos diante de Estados que
empreendiam assassinatos em
massa, genocídios, limpezas étnicas. Crimes contra a humanidade
têm de ser impedidos ainda que
seja necessário usar a força. Foi o
caso da Guerra de Kosovo (1999).
Folha - E como essa teoria se ajusta à guerra contra o terrorismo?
Walzer - A expressão "guerra
contra o terrorismo" pode incluir
uma guerra no momento, a do
Afeganistão, mas é acima de tudo
uma questão de polícia. Agora, se
o governo de um Estado não está
apenas protegendo terroristas,
mas está em parceria com grupos
terroristas, esse Estado pode ser
justamente atacado. O Afeganistão era um exemplo claro. Não
acho que seja o caso do Iraque.
Folha - Para o governo Bush incluir uma ação contra o regime de
Saddam no contexto da guerra
contra o terrorismo, seriam necessárias provas de envolvimento do
Iraque com grupos terroristas?
Walzer - Sim, uma guerra dos
EUA só seria justificável se eles
apresentassem provas de envolvimento do Iraque com o terrorismo internacional. Já uma guerra
da ONU exige justificativa de outro tipo. A ONU precisa apenas
demonstrar que o Iraque está
obstruindo de forma sistemática
o trabalho dos inspetores.
Folha - Uma guerra da ONU deveria ter como objetivo a deposição
de Saddam, como querem os EUA,
ou deveria se concentrar apenas
em desarmá-lo?
Walzer - Em geral, mudanças de
regime pela força não são uma
boa idéia. Mas, se fosse o caso de
realizar uma guerra contra um
violador persistente de resoluções
da ONU, acho que deveria haver
uma sanção ao regime. Sim, seria
necessário derrubar o violador.
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