São Paulo, quinta-feira, 16 de março de 2006

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"EIXO DO MAL"

Efeito tem sido inverso

Irã começa a rachar sobre política nuclear

MICHAEL SLACKMAN
DO "NEW YORK TIMES", EM TEERÃ

A abordagem combativa adotada pelo governo iraniano em relação a seu programa nuclear, que há poucas semanas gerou manifestações de unidade normalmente raras no país, começa a criar fissuras dentro e fora dos círculos do poder. Para algumas pessoas em cargos poderosos, a tática de confronto adotada pelo presidente Mahmoud Ahmadinejad está produzindo efeito contrário ao desejado, dificultando o desenvolvimento do programa nuclear.
O Conselho de Segurança da ONU se reúne nesta semana para discutir o programa do Irã. Para analistas políticos próximos a Teerã, o fato de o Irã ter sido submetido ao CS, ou, mais importante, sua incapacidade, até agora, de conquistar o apoio inequívoco da Rússia, aumentou o peso dos críticos de Ahmadinejad.
"Durante 27 anos após a revolução, os EUA quiseram submeter o Irã ao CS e não conseguiram. Ahmadinejad o fez em menos de seis meses", disse um alto funcionário iraniano, que pediu anonimato.
Um mês atrás, o mesmo funcionário tinha dito, rindo, que os setores que achavam a abordagem de linha dura uma opção ruim estavam mantendo silêncio, porque ela parecia estar funcionando.
Como é habitual no Irã, os sinais emitidos são contraditórios, e o governo nem sempre fala com voz uniforme. Anteontem, tanto Ahmadinejad quanto o líder supremo, o aiatolá Ali Khamenei, em discursos públicos, insistiram que o país jamais cederia. Ao mesmo tempo, porém, negociadores iranianos chegavam a Moscou para retomar as conversações dias apenas depois de Teerã ter rejeitado uma proposta russa.

"Direito irrefutável"
Diante da perspectiva de serem atingidos por sanções da ONU, o clima entre os iranianos comuns não parece ser de confiança unânime. Das ruas de Teerã às encostas onde se pratica esqui nos arredores da cidade, já começam a surgir piadas sobre o bordão do governo, de que "a energia nuclear é nosso direito irrefutável".
Os reformistas, cuja influência política, enquanto movimento, sumiu na última eleição, também começam a se manifestar. E pessoas ligadas ao governo disseram que clérigos já começam a entregar a Khamenei avaliações críticas da posição do Irã, coisa que a elite política vê como abalo sísmico.
"Não foi visto nenhum sinal de intenção de recuo", afirmou o analista político e jornalista Ahmad Zeidabady. Mas, disse ele, "as críticas estão aumentando, na medida em que fica claro que a política não está funcionando".
Também há alguns sinais de que os negociadores estariam começando a recuar ligeiramente da estratégia irredutível e que aqueles que se opuseram inicialmente ao estilo do presidente, mas mantiveram silêncio, estão começando a se manifestar. Recentemente o ex-presidente Muhammad Khatami fez uma crítica pública à abordagem agressiva e pediu a volta da estratégia seguida por seu governo de construir relações de confiança com o Ocidente.
Quando Ahmadinejad tomou posse, ele aderiu a uma decisão que já havia sido tomada pela liderança mais alta, a de buscar um confronto com o Ocidente em torno do programa nuclear. A maioria de seus adversários conservou silêncio, enquanto o capital político do presidente crescia. A capacidade do Irã de não sofrer conseqüências imediatas foi vista inicialmente com justificativa da abordagem. Mas boa parte da estratégia dependia do apoio russo.
"A equipe anterior agora está sentindo que sua ação se justificou", disse Nasser Hadian, professor de ciência política na Universidade de Teerã e próximo a muitos integrantes do governo. "Já a nova equipe sente que precisa provar o acerto de seus atos."


Tradução de Clara Allain

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