São Paulo, domingo, 16 de abril de 2000


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FRACASSO
Ditadura de Saddam continua, apoiada em repressão, subsídios a alimentos e manutenção territorial
Sanções não abalam governo iraquiano

Reuters
Soldados da Guarda de Honra iraquiana marcham perto do Monumento aos Mártires, em Bagdá


do enviado especial a Bagdá

Dez anos de embargo conseguiram devastar a economia iraquiana e reduzir a população à miséria, mas não abalaram o poder do ditador Saddam Hussein.
A receita de sustentação no poder se baseia no tripé repressão-subsídios-manutenção territorial.
A repressão sistemática a qualquer manifestação de oposição e a sensação de onipresença vigilante de Saddam (com fotos e estátuas em todo o país) vêm acompanhadas de educação e saúde (tratamento médico e odontológico) gratuitas, subsídios a alimentos e garantia de manutenção territorial, ante vizinhos como Turquia e Irã. O regime sempre lembra o perigo externo: amanhã, o país comemora a libertação da cidade de Fau, ocupada pelo Irã durante a guerra de 1980-88.
Uma cesta básica para uma pessoa custaria US$ 7,3 no supermercado (o salário médio gira em torno de US$ 7), mas o iraquiano paga apenas US$ 0,075 para o governo (veja quadro abaixo).
"As sanções erraram seu alvo", afirma Hans von Sponeck, ex-coordenador humanitário da ONU no Iraque, que renunciou em março para protestar contra o embargo. Para ele, "a coordenação entre os programas de desarmamento e humanitários é feita à custa da população civil e não atinge os resultados desejados".
A cada mês, morrem ao menos 5.750 crianças com idade inferior a 5 anos no país.
A arquiteta iraquiana Ferial Abdul al Rahman Adduri disse à Folha que seu marido morreu de leucemia porque "não havia remédio. Se houvesse, estaria vivo".
"Antes do embargo, as crianças eram inteligentes. Minha filha tem anemia, mas, nas farmácias, só há remédios com validade vencida, e nos hospitais a situação é semelhante", argumenta Adduri, que tem seis filhos.
O Iraque diz que os casos de câncer chegaram a 6.158 em 97, contra 4.341 em 91, devido ao urânio contido em munições usadas na Guerra do Golfo (91).
Por causa dos vários indicadores negativos, o secretário-geral da ONU, Kofi Annan, disse que "a comunidade internacional está prestes a perder a guerra de propaganda contra o Iraque".
"Quando compramos uma bomba hidráulica para melhorar a distribuição de água, percebemos que não há cimento para instalá-la e que é preciso esperar meses", diz um funcionário da ONU.
Mais de US$ 1,35 bilhão em contratos foram bloqueados pelo Comitê de Sanções da ONU, a maioria para comprar produtos de primeira necessidade.
Há mais de 90 países sofrendo algum tipo de bloqueio por parte de governos individuais, grupos de interesse ou organizações como a ONU. Desse número, 76 (mais da metade da população mundial) se submetem à política oficial de sanções unilaterais dos EUA. Apenas sete são alvo da ONU, incluindo o Iraque.
A banalização das sanções e o fracasso dos objetivos alegados levantam questionamentos sobre a eficiência desse recurso.
Entre a Segunda Guerra (1939-45) e 1990, a ONU apelou à medida poucas vezes, por exemplo, contra a ex-colônia britânica Rodésia (atual Zimbábue) e a África do Sul, por causa do apartheid.
Estudo sobre sanções econômicas feito pelo Instituto de Economia Internacional de Washington, com base em 115 casos, afirma que somente 34% dos bloqueios atingem a meta prevista.

Espionagem
O ex-inspetor de armas da ONU Scott Ritter declarou que a CIA (agência de inteligência dos EUA) infiltrou, desde 92, espiões na equipe de verificação do desarmamento do Iraque.
Segundo Ritter, uma tentativa de golpe contra Saddam Hussein, em junho de 1996, coincidiu com a presença de nove agentes da CIA em uma das equipes de fiscalização do arsenal iraquiano.
Ritter endossa as acusações feitas pelo Iraque de que a comissão de desarmamento da ONU incluía espiões dos EUA. Ele abandonou a missão em 98, alegando interferência do governo dos EUA no trabalho dos inspetores. (PAULO DANIEL FARAH)


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