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PASSADO ROUBADO
Cientista britânica compara saque a museu de Bagdá à destruição da biblioteca de Alexandria
Unesco vai investigar tragédia cultural
CLAUDIO ANGELO
EDITOR-ASSISTENTE DE CIÊNCIA
A Unesco (Organização das
Nações Unidas para a Educação,
Ciência e Cultura) vai enviar uma
comissão de especialistas em arqueologia e patrimônio histórico
ao Iraque para avaliar o estrago
causado pela guerra, em especial
o saque ao Museu Nacional de
Bagdá, na semana passada.
O grupo, que inclui sete especialistas iraquianos e 18 de outros
países -entre eles o diretor do
Museu Britânico, Neil McGregor-, se reúne amanhã em Paris
para definir prioridades de ação e
um plano emergência para o resgate das peças roubadas.
O secretário-geral da ONU,
Kofi Annan, pediu aos outros
países para juntar forças com a
Unesco e impedir o comércio de
objetos iraquianos roubados.
Para alguns especialistas, no
entanto, o dano é irreversível. A
onda de saques que se seguiu à
queda do regime de Saddam
Hussein atingiu museus e bibliotecas em Mossul, Basra, Tikrit e
Bagdá. Na capital, a Biblioteca
Nacional, onde estavam os
exemplares mais antigos do Alcorão, foi incendiada. E o Museu
Nacional, que abrigava milhares
de artefatos da antiga Mesopotâmia (5.000 a.C), foi esvaziado.
Para a arqueóloga Eleanor
Robson, da Escola Britânica de
Arqueologia no Iraque (Universidade de Oxford), a pilhagem do
museu é um dos maiores crimes
contra o patrimônio cultural da
história. "Estou tentando pensar
em desastres comparáveis a esse.
Vêm à cabeça a destruição da biblioteca de Alexandria, no século
5º, e a de Bagdá pelos mongóis,
em 1258. Em ambas as ocasiões,
o conhecimento da humanidade
foi destruído substancialmente."
Robson diz que de 70% a 90%
das mais de 250 mil peças do museu foram destruídas ou roubadas. Entre as que sumiram está
um vaso de 2 m de altura da cidade suméria de Uruk e a harpa de
ouro de Ur, assim como alguns
dos primeiros registros escritos.
Segundo Robson, 33, algumas
já começaram a aparecer na Europa. Outras nunca mais deverão
ser vistas. "Foram roubadas sob
encomenda e vão direto para
uma coleção privada."
Mas os itens mais preciosos
destruídos são mesmo os arquivos de computador do museu.
Sem eles, será virtualmente impossível para a Unesco fazer um
inventário do que foi perdido.
"Havia documentos e objetos
não estudados pela ciência naquele museu, sobre os quais nunca saberemos", disse Robson,33.
Arqueólogos do mundo inteiro
têm criticado os EUA por negligência. Segundo acadêmicos iraquianos, a entrada dos saqueadores no museu aconteceu sob a
vista dos marines. Os EUA dizem
que não tinham como proteger o
museu -apesar de terem protegido Ministério do Petróleo.
"É incrível como eles foram negligentes. Só precisariam de um
tanque e um punhado de soldados para evitar [o roubo]", afirmou a pesquisadora inglesa. Segundo ela, nem Saddam Hussein
tratou o patrimônio do Kuait em
1991 com tanto descaso.
"Quando os iraquianos saquearam o Museu do Kuait, na
Guerra do Golfo, eles puseram as
peças em caixas, levaram para
Bagdá e entregaram um inventário de tudo o que foi levado à
Unesco." No fim da guerra, todas
as peças foram repatriadas.
O mesmo não deve acontecer
com o acervo do Museu Nacional
de Bagdá. Colecionadores americanos têm pressionado Washington pela criação de um mercado legal de antiguidades. Os
cientistas se enfurecem.
"Se alguém reivindica propriedade sobre esses objetos, eles ficarão muito mais caros", disse Robson. "O governo do Iraque e
a Unesco não terão como pagar
US$ 5 milhões toda vez que um
objeto precisar ser repatriado.
Vão ficar nos EUA para sempre."
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