UOL


São Paulo, quarta-feira, 16 de abril de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

PASSADO ROUBADO

Cientista britânica compara saque a museu de Bagdá à destruição da biblioteca de Alexandria

Unesco vai investigar tragédia cultural

CLAUDIO ANGELO
EDITOR-ASSISTENTE DE CIÊNCIA

A Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura) vai enviar uma comissão de especialistas em arqueologia e patrimônio histórico ao Iraque para avaliar o estrago causado pela guerra, em especial o saque ao Museu Nacional de Bagdá, na semana passada.
O grupo, que inclui sete especialistas iraquianos e 18 de outros países -entre eles o diretor do Museu Britânico, Neil McGregor-, se reúne amanhã em Paris para definir prioridades de ação e um plano emergência para o resgate das peças roubadas.
O secretário-geral da ONU, Kofi Annan, pediu aos outros países para juntar forças com a Unesco e impedir o comércio de objetos iraquianos roubados.
Para alguns especialistas, no entanto, o dano é irreversível. A onda de saques que se seguiu à queda do regime de Saddam Hussein atingiu museus e bibliotecas em Mossul, Basra, Tikrit e Bagdá. Na capital, a Biblioteca Nacional, onde estavam os exemplares mais antigos do Alcorão, foi incendiada. E o Museu Nacional, que abrigava milhares de artefatos da antiga Mesopotâmia (5.000 a.C), foi esvaziado.
Para a arqueóloga Eleanor Robson, da Escola Britânica de Arqueologia no Iraque (Universidade de Oxford), a pilhagem do museu é um dos maiores crimes contra o patrimônio cultural da história. "Estou tentando pensar em desastres comparáveis a esse. Vêm à cabeça a destruição da biblioteca de Alexandria, no século 5º, e a de Bagdá pelos mongóis, em 1258. Em ambas as ocasiões, o conhecimento da humanidade foi destruído substancialmente."
Robson diz que de 70% a 90% das mais de 250 mil peças do museu foram destruídas ou roubadas. Entre as que sumiram está um vaso de 2 m de altura da cidade suméria de Uruk e a harpa de ouro de Ur, assim como alguns dos primeiros registros escritos.
Segundo Robson, 33, algumas já começaram a aparecer na Europa. Outras nunca mais deverão ser vistas. "Foram roubadas sob encomenda e vão direto para uma coleção privada."
Mas os itens mais preciosos destruídos são mesmo os arquivos de computador do museu. Sem eles, será virtualmente impossível para a Unesco fazer um inventário do que foi perdido.
"Havia documentos e objetos não estudados pela ciência naquele museu, sobre os quais nunca saberemos", disse Robson,33.
Arqueólogos do mundo inteiro têm criticado os EUA por negligência. Segundo acadêmicos iraquianos, a entrada dos saqueadores no museu aconteceu sob a vista dos marines. Os EUA dizem que não tinham como proteger o museu -apesar de terem protegido Ministério do Petróleo.
"É incrível como eles foram negligentes. Só precisariam de um tanque e um punhado de soldados para evitar [o roubo]", afirmou a pesquisadora inglesa. Segundo ela, nem Saddam Hussein tratou o patrimônio do Kuait em 1991 com tanto descaso.
"Quando os iraquianos saquearam o Museu do Kuait, na Guerra do Golfo, eles puseram as peças em caixas, levaram para Bagdá e entregaram um inventário de tudo o que foi levado à Unesco." No fim da guerra, todas as peças foram repatriadas.
O mesmo não deve acontecer com o acervo do Museu Nacional de Bagdá. Colecionadores americanos têm pressionado Washington pela criação de um mercado legal de antiguidades. Os cientistas se enfurecem.
"Se alguém reivindica propriedade sobre esses objetos, eles ficarão muito mais caros", disse Robson. "O governo do Iraque e a Unesco não terão como pagar US$ 5 milhões toda vez que um objeto precisar ser repatriado. Vão ficar nos EUA para sempre."


Texto Anterior: EUA não planejam atacar a Síria, dizem Powell e Rice
Próximo Texto: Diário de Bagdá: Marines invadem quartos de repórteres
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.