São Paulo, sexta-feira, 16 de abril de 2004

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ANÁLISE

Saudita tenta dividir Ocidente e abalar apoio aos EUA no Iraque

DA REUTERS

Ao oferecer uma "trégua" aos europeus caso eles retirem suas tropas dos países muçulmanos, o terrorista saudita Osama bin Laden está manobrando, com grande oportunismo, para dividir a coalizão liderada pelos EUA e assustar seus membros mais vacilantes, tentando forçá-los a sair do Iraque, segundo analistas.
Para eles, a suposta fita de áudio de Bin Laden transmitida ontem demonstra que a Al Qaeda refinou ainda mais as táticas exibidas nos atentados do mês passado em Madri, para tentar forçar a reversão de políticas nos países que apóiam a "guerra ao terrorismo" dos EUA.
Se a legitimidade da gravação for confirmada, a fita parece ter sido calculada não só para causar uma cisão entre os americanos e seus aliados, mas também para explorar os temores de que as políticas favoráveis aos EUA adotadas pelos governos dos países ocidentais estão causando riscos graves para suas populações.
"Ele é um estrategista. Segue o princípio de dividir para governar. Está tentando iludir os líderes ocidentais e fazer com que a opinião pública do Ocidente se volte contra seus líderes", disse o analista de segurança Rohan Gunaratna. "É provável que Bin Laden ataque a Europa e é provável que diga aos povos e aos líderes europeus que lhes deu uma chance de trégua", acrescentou.
Os especialistas dizem que não é por acaso que a fita tenha sido divulgada em um momento de tensão aguda no Iraque, onde as forças sob comando americano enfrentam um novo levante de xiitas apenas dois meses e meio antes da data planejada para a transferência de poder aos iraquianos.

Países "aterrorizados"
Ainda que a Al Qaeda não tenha sido vinculada à recente onda de seqüestros de estrangeiros no Iraque, os analistas dizem que as táticas de Bin Laden tinham por objetivo exercer o mesmo tipo de pressão sobre os mesmos países.
Magnus Ranstorp, um especialista em segurança e terrorismo que trabalha no Reino Unido, disse que a mensagem pode se provar especialmente forte em países como o Japão e a Polônia, "que não estão acostumados a enfrentar terrorismo de fonte estrangeira em seus territórios e cujas populações estão aterrorizadas diante da perspectiva de se tornarem alvo da Al Qaeda".
Sublinhando a mudança de tática, a gravação parece marcar a primeira ocasião em que Bin Laden oferece uma perspectiva de "recompensa" aos países dispostos a ceder às exigências da Al Qaeda. A oferta de trégua, que se dirige à Europa, mas não aos EUA, foi imediatamente rejeitada pela Alemanha, pelo Reino Unido e pela Comissão Européia.
A tentativa direta de forçar mudanças de política externa também surgiu na época dos atentados em Madri, que aconteceram três dias antes de uma eleição geral e ajudaram a conduzir ao poder um socialista cujo compromisso de campanha era tirar as tropas espanholas do Iraque.
A gravação de Bin Laden admitia indiretamente a responsabilidade da Al Qaeda pelos ataques que mataram 191 pessoas em 11 de março, descrevendo-os como retaliação pelo papel da Espanha no Iraque, no Afeganistão e com relação aos palestinos.
Em outra referência significativa aos acontecimentos das últimas semanas, ele prometeu vingança contra os EUA, e não Israel, pelo assassinato do xeque Ahmed Yassin, o líder do grupo terrorista palestino Hamas, em um ataque israelense.

Corações e mentes
Os especialistas dizem que a mensagem que o líder da Al Qaeda está enviando aos seus seguidores é tão importante quanto os sinais dirigidos ao Ocidente.
"Ele está apelando, como um homem bastante razoável, aos grandes segmentos de muçulmanos moderados", disse Gunaratna, radicado em Cingapura e autor de "Inside al Qaeda: Global Network of Terror" (dentro da Al Qaeda: a rede mundial de terror). "É um grande exercício de conquista de corações e mentes, essencial para a manutenção da luta da Al Qaeda", disse.
Ranstorp apontou que a oferta de uma trégua -"hudna", em árabe- também tem ressonância histórica para os muçulmanos, devido ao cessar-fogo que o profeta Muhammad utilizou para permitir que suas forças se reagrupassem com o objetivo de, enfim, derrotar um inimigo de poderio superior.
Mas Ranstorp diz que a estratégia subjacente da Al Qaeda, de uma "guerra santa" mundial ilimitada contra os "infiéis", não sofreu alterações. "Qualquer tipo de cessar-fogo, ao final do processo, será uma miragem, porque o que estamos enfrentando aqui é, na verdade, um terrorismo estratégico, uma força que voltará ainda mais vigorosa caso baixemos a guarda. A visão estratégica continua a mesma: a inimizade absoluta, a guerra perpétua, os objetivos que não são passíveis de negociação. Como chegar lá depende de sua capacidade de manobra."


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