São Paulo, domingo, 16 de maio de 2004

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AMÉRICA LATINA

Principal tarefa de risco da força de paz comandada pelo Brasil será conter eventuais distúrbios nas eleições

Maior desafio da missão no Haiti é político

RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL

Militares brasileiros devem, no final do mês, iniciar sua participação em mais uma operação de paz da ONU. Não só participar mas também comandar e ter uma forte presença na Missão das Nações Unidas de Estabilização no Haiti -que pode se tornar uma das mais polêmicas iniciativas da política externa recente do país.
O número de militares envolvidos agora já é um recorde em se tratando de missões no exterior. Contando os tripulantes dos navios da Marinha e aviões da FAB que levarão o material e parte da tropa, esta já é a maior força expedicionária desde a Segunda Guerra Mundial.
Na Segunda Guerra, o Brasil enviou mais de 25 mil homens para combater na frente italiana. Agora são cerca de 1.200 homens enviados ao Haiti, e cerca de mil tripulantes dos navios e aviões.
As Forças Armadas vivem uma penúria de recursos desde o segundo mandato do governo Fernando Henrique Cardoso, aprofundada na atual administração.
Para conseguir realizar a missão com a pouca verba disponível, o Ministério da Defesa vai reduzir o pagamento aos militares -que, tradicionalmente, ganham mais em missões no exterior. Ganhar mais e em dólar é um atrativo já tradicional desse tipo de missão. Sem dúvida, uma redução dos vencimentos afetaria o moral da tropa.
Marinha e Força Aérea, que estão com vários navios e aviões em más condições de operação por falta de recursos, tiveram de fazer das tripas coração para obter peças e suprimentos para realizar o transporte da tropa.
Os riscos especificamente militares são pequenos. O Haiti está muito longe de ser um Iraque. Já há uma força de paz multinacional operando no país que não tem enfrentado grandes problemas.
O maior desafio para os militares e diplomatas brasileiros promete ser político. A força de paz estará lá para ajudar o Haiti na sua mais nova tentativa de redemocratização. E isso significa eleições que poderão ter distúrbios.
É um desafio difícil, pois, além de ser o mais pobre país do continente americano, ele tem uma das mais conturbadas histórias políticas -e marcada pela violência.

País sempre em crise
Desde que uma revolta dos escravos negros contra os colonos franceses culminou em uma república independente no começo do século 19 que o país vive em conflito. Na primeira metade do século 20, intervir no Haiti -e em outros países problemáticos da América Central- virou rotina para os Estados Unidos.
Os fuzileiros navais americanos (marines) voltaram ao país em março passado logo depois da partida ao exílio do presidente Jean-Bertrand Aristide, pivô de uma crise política grave -seu partido foi acusado de fraudar as eleições legislativas de 2000. Manifestações contra seu governo causaram mais de 80 mortes. Milícias armadas se rebelaram.
Ironicamente, Aristide, de esquerda, tinha sido no passado deposto por um golpe militar. Essa afiliação do ex-presidente ainda causa oposição à intervenção no país pela esquerda internacional -incluindo setores do PT-, que acusa os EUA de deporem Aristide, embora a França, que vive criticando as iniciativas militares americanas, também tenha participado da força de manutenção da ordem na sua ex-colônia.
O legado da longa história de crises haitianas estará agora nas mãos de soldados brasileiros -a maioria do Rio Grande do Sul- e de fuzileiros navais -a maioria do Rio de Janeiro.
Felizmente, são tropas com conhecimento do que podem ter pela frente. O 19º Batalhão de Infantaria Motorizado, baseado em São Leopoldo (RS), já treina para esse tipo de missão faz tempo -além das suas funções normais de uma unidade de combate.
A diplomacia brasileira estará tentando mostrar ao mundo que merece -pelo tamanho de seu território e de sua população, pela sua influência geopolítica, pelo seu histórico de resolução pacífica de conflitos diplomáticos- ser um membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Uma pretensão que outros países em desenvolvimento também poderiam ter -caso de líderes regionais como Índia ou África do Sul.
Só que participar de um conselho dito de "segurança" significa ter músculo militar para ser eventualmente empregado em missões arriscadas não só de manutenção mas também de "imposição" da paz -por exemplo, em caso de um país que sofra um genocídio ou uma "limpeza étnica".
Manter tropas, navios e aviões capazes de intervir rapidamente no exterior custa caro. Para isso, as Forças Armadas têm de treinar e manter seu equipamento operacional. E isso fica difícil num país que não investe nelas -cuja Marinha, por exemplo, tem um navio que, faz pouco, "comemorou" um ano sem navegar.


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