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China pressiona pais de vítimas do tremor
Parentes das dez mil crianças mortas em escolas que desabaram são impedidos de protestar e de recorrer à Justiça
Inicialmente elogiado por abertura informativa, agora o governo chinês instrui imprensa a dar destaque
aos "resgates heróicos"
Alexander F. Yuan-13.jun.2008/ Associated Press
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Parentes de um garoto de 13 anos que morreu após ter sido atingido pelos destroços da escola em que estudava, em Sichuan
RAUL JUSTE LORES
DE PEQUIM
Pais de crianças que morreram no desabamento de escolas por causa do terremoto do
mês passado em Sichuan estão
sendo impedidos de protestar
ou recorrer à Justiça.
Um mês depois do terremoto, que matou quase 70 mil pessoas, o governo tem negado o
acesso de jornalistas estrangeiros às escolas, proibido a imprensa local de falar da má qualidade das construções e assediado os pais mais revoltados.
Na quinta-feira, dia que marcou um mês do terremoto, escolas ainda em escombros foram isoladas pela polícia. Pais
que queriam fazer vigília foram
instruídos a não ficarem ali.
Cerca de 10 mil crianças
morreram quando as escolas
desabaram após o terremoto de
12 de maio, que atingiu 7,9
graus na escala Richter. Prédios ao redor delas ficaram em
pé, o que motivou denúncias de
corrupção na construção de escolas com materiais baratos.
"Muitos pais queriam apenas
homenagear seus filhos mortos, mas não podemos chegar
perto da escola, há centenas de
policiais ao redor", disse ao jornal britânico "The Guardian" a
agricultora Xu Yan, mãe de
uma menina de 11 anos que
morreu sob os escombros da
escola Xinjian.
A Folha conversou por telefone com dois pais, de Dujiangyang, que pediram para não ter
sua identidade revelada. "Fomos alertados por policiais para não conversar com jornalistas estrangeiros."
Ambos contaram que o governo prometeu o equivalente
a R$ 3.000 a quem perdeu o filho na tragédia - há 30 anos
impera a política do filho único
no país. Eles tentaram organizar um protesto, mas policiais
desfizeram a aglomeração.
Adeus, abertura
O governo chinês foi elogiado
por um inédito grau de abertura no fluxo de informações sobre o terremoto e pelo acesso
relativamente livre de jornalistas às áreas destruídas. Mas liberalização já virou passado.
Editores chineses contaram
à reportagem da Folha que receberam ordens do governo de
dar prioridade a histórias sobre
heroísmo no resgate e na eficiência do governo, e não tocar
no assunto das chamadas "escolas tofu", que desabaram.
Oficialmente, a mídia estatal
chinesa diz que o acesso às zonas afetadas pelo terremoto
ainda é sem restrições.
"Se as escolas tivessem sido
construídas de acordo com o
código de construção, elas não
desabariam imediatamente
após um terremoto", diz Liang
Wei, vice-diretor de Planejamento Urbano do Instituto de
Desenho da Universidade
Tsinghua. "Elas tinham problemas de desenho ou de procedimento construtivo."
O Departamento de Educação de Sichuan divulgou uma
lista com as cinco causas dos
desmoronamentos: magnitude
do terremoto; coincidência
com o horário das aulas; salas
superlotadas, o que dificultou a
fuga; o fato de muitas escolas
serem construções antigas;
problemas no desenho delas,
que não previa terremotos.
"Quando um terremoto mais
forte acontece, eles [os prédios] podem sofrer rachaduras,
algumas partes podem entortar, mas eles não desabam imediatamente, como aconteceu
em Sichuan", escreveu em seu
blog o engenheiro pequinês
Wang Bangjin.
Evitar problemas
Um reconhecido escritor de
Xangai, Yu Qiuyu, escreveu em
seu blog que os pais deveriam
"evitar a criação de mais problemas". Ele disse que a "mídia
ocidental anti-China" iria utilizar o protesto dos pais para "estragar a imagem do país" e que
as escolas teriam desabado de
qualquer jeito.
Se há dois meses a opinião do
escritor teria sido aplaudida
pelo nacionalismo que impera
na internet chinesa, desta vez a
reação foi contrária. Internautas o atacaram, dizendo que ele
"não tem coração" e que só queria bajular o governo.
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