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PARTIDA
Militares dizem temer que guerrilheiros passem a controlar a capital e ataquem população sérvia por vingança
Tropas iugoslavas deixam Pristina
KENNEDY ALENCAR
enviado especial a Pristina
"Com a nossa
partida, o povo
sérvio vai ficar
sem proteção. A
Otan deixará o
ELK (guerrilha
separatista albanesa) matar e
expulsar todos daqui", diz, num
tom ríspido, o soldado Branko. Ele
se preparava para deixar Pristina.
O prazo para o Exército iugoslavo sair da capital de Kosovo acabou à meia-noite de ontem (19h
em Brasília). A polícia civil sérvia
deixou de existir. A segurança estará a cargo da Otan até a criação
de uma nova força.
Segundo a Otan, a retirada corria
ontem dentro do previsto. Cerca
de 20 mil soldados iugoslavos (a
metade do contingente na Província) tinham se retirado da chamada zona 1, no sul de Kosovo.
Impaciente com as perguntas, o
soldado Branko teme que kosovares de etnia albanesa e guerrilheiros do ELK passem a policiar a
Província. Acha que vão querer se
vingar dos sérvios -tentativas de
linchamento já ocorrem no sul.
Às 10h30, ele estava em um dos
edifícios civis usados como quartel
na guerra -bem atrás do Grand
Hotel, o principal de Pristina. Empacotava armamento, tendas e ferramentas. Colocava tudo em um
caminhão civil (durante a guerra,
para tentar enganar a Otan, militares usaram veículos comuns).
A partir de hoje, os soldados sérvios que ficarem em Pristina não
podem andar armados ou fardados. Branko não revela seu destino, só diz que sai hoje da cidade.
Fica contrariado com as perguntas, mas, quando descobre que
conversa com um brasileiro, acalma-se.
Próximo a ele, um outro soldado
fala alto. Dá para entender que xingava os americanos e a Otan. Mas
não quer dar entrevista. Branko
brinca: "Brasil é amigo. Carnaval,
Pelé". O soldado, que se chama
Vuk, se aproxima.
De Belgrado, Branko, 30, diz que
não tem raiva dos kosovares de etnia albanesa. Só com a guerra é que
veio pela primeira vez na vida a
Kosovo. Fala que é um "soldado
profissional" e que nunca ele e os
colegas atacaram civis. "Não acredito que paramilitares tenham matado, mas não posso garantir porque não andava com eles." Depois,
não quer mais falar desse assunto.
Vuk, 21, de uma vila do norte de
Kosovo, demonstra desprezo pelos albaneses. Branko, que aprendeu inglês vendo filmes, traduz.
Vuk nega ter atacado kosovares de
origem albanesa, mas diz que um
colega matou e expulsou apenas os
que "eram terroristas do ELK".
Branko diz que gostaria de ter
enfrentado a Otan. "Não perdemos a guerra no campo. Não fomos derrotados lutando". "Quem
derrotou vocês?", pergunta a Folha. "Política", responde. "Milosevic?", indaga o repórter. "É melhor
não dizer o que penso."
Despede-se pedindo que o repórter escreva histórias sobre os
refugiados sérvios.
A cem metros dali, Dvehexti Aslan, um carpinteiro de etnia albanesa de 38 anos, bebe com amigos.
Diz que seus compatriotas sofreram. "Agora é justo que os sérvios
sofram", diz. "Pristina agora é do
povo albanês", comemora. Às
12h30, os soldados sérvios já tinham quase desaparecido. Depois,
sumiriam por completo.
Ao fim do dia, uma fileira com os
últimos tanques deixa a cidade.
Em alguns, com bandeiras iugoslavas, soldados, tentando demonstrar altivez, fazem o típico sinal de
vitória sérvio (com três dedos).
A viagem do jornalista Kennedy Alencar é parcialmente custeada pela Editora DBA
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