|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ARTIGO
Quatro pares na dança da morte
Enquanto Hamas, Hizbollah, Síria, Irã, EUA, Israel e os governos palestino e libanês mantiverem suas políticas intransigentes, o Oriente Médio continuará a ser sombrio
RAMI G. KHOURI
É preciso compreender as relações entre quatro duplas de
atores para captar o significado
da escalada de ataques do Hamas, do Hizbollah e de Israel
nos últimos dias. As quatro duplas em questão são formadas
por Hamas e Hizbollah, os governos palestino e libanês, Síria
e Irã e Israel e os EUA.
De maneira simplista, o presidente George W. Bush descreveu esta rodada de guerra
mais recente como um conflito
entre o bem e o mal, enquanto o
governo israelense procura
responsabilizar por ele os palestinos e libaneses, que estariam interessados apenas em
travar uma guerra contra Israel, país que ama a paz.
A realidade, que é mais complexa e tem nuances, é que esses quatro pares, coletivamente, desempenham papéis nos
combates que vêm ocorrendo,
enquanto testemunhamos o
auge de quatro décadas de políticas fracassadas que mantiveram o Oriente Médio tenso,
violento e repleto de ira.
Nos últimos dez anos o Hizbollah e o Hamas emergiram
como as principais forças políticas árabes de resistência às
ocupações israelenses do Líbano e da Palestina. Gozam de
apoio popular substancial em
seus respectivos países, ao
mesmo tempo que são criticados por suas políticas militantes, que inevitavelmente suscitam reações israelenses intransigentes. Assistimos a isso hoje
no Líbano, quando a população
libanesa se revolta contra Israel por seus ataques brutais
contra instalações civis, ao
mesmo tempo em que culpa os
palestinos, outros árabes, Síria
e Irã por fazer do Líbano o campo de batalha de outros conflitos -mas questiona com muito
menos dureza a decisão do Hizbollah de desencadear esta última calamidade.
Não é coincidência o fato de
Israel agora estar simultaneamente bombardeando e destruindo a infra-estrutura civil
na Palestina e no Líbano, incluindo aeroportos, pontes, rodovias e usinas elétricas. Israel
afirma que o está fazendo para
impedir novos ataques de terror contra alvos israelenses,
mas, na realidade, as últimas
quatro décadas já demonstraram que suas políticas geram
um efeito exatamente inverso.
Elas deram origem, poder,
credibilidade e, agora, mandatos políticos ao Hamas e ao
Hizbollah, cuja razão de ser
tem sido o combate à ocupação
israelense de suas terras. A destruição por Israel da vida normal dos palestinos e libaneses
também resulta na destruição
da credibilidade, eficácia e, em
alguns casos, legitimidade dos
sistemas de governo rotineiros,
fazendo dos governos libanês e
palestino atores-chave nos
acontecimentos atuais -ou, na
maioria dos casos, não-atores.
Libaneses e palestinos reagiram contra os ataques persistentes e cada vez mais selvagens de Israel contra populações civis inteiras, criando lideranças paralelas ou alternativas
capazes de protegê-los e de garantir o funcionamento de serviços essenciais.
Efeito reverso
A cada novo ataque de Israel
contra as lideranças do Hamas
e do Hizbollah ou a suas populações civis, quatro coisas importantes acontecem: os governos libanês e palestino perdem
poder e impacto; o Hamas e o
Hizbollah angariam apoio popular maior -o que aumenta
sua eficácia em termos de guerra de guerrilha e resistência;
eles aumentam suas capacidades militares técnicas (principalmente em termos de mísseis
de alcance maior e de melhores
artefatos explosivos improvisados), e a campanha de resistência anti-Israel e anti-EUA que
os grupos encabeçam angaria
maior apoio político e popular
em todo o Oriente Médio e em
boa parte do mundo.
Este fato está ligado à terceira dupla de atores, Síria e Irã,
que vêm cuidadosa e pacientemente se posicionando como
aliados, patronos, anfitriões, financistas, fornecedores de armas e irmãos ideológicos do
Hamas e do Hizbollah. Enquanto esses dois grupos islâmicos são movidos primordialmente pela resistência local a
Israel e são palestinos e libaneses em sua identidade básica,
ambos desempenham papéis
importantes nas políticas externas do Irã e da Síria.
Hoje assistimos à convergência de duas tendências paralelas, mas interligadas: os atores
que são Estados soberanos, Irã
e Síria, travam batalhas políticas mortais contra Israel, os
EUA e, cada vez mais, a Europa,
enquanto o Hamas e o Hizbollah travam batalhas semelhantes contra os mesmos adversários. Do ponto de vista de Damasco e Teerã, faz todo o sentido fomentar maiores problemas agora para os EUA e Israel
na fronteira entre Líbano e Israel. É um momento oportuno
para atacar, pois Israel está
profundamente perplexo em
relação a como enfrentar a resistência do Hamas na Palestina, enquanto os EUA parecem
incapazes de oferecer qualquer
proposta política senão a de defender o direito a autodefesa de
Israel, ao mesmo tempo em
que nega o mesmo direito aos
civis libaneses e palestinos.
A quarta dupla, EUA e Israel,
se encontra na bizarra posição
de repetir políticas que fracassam constantemente há 40
anos. Israel tem os seguintes
resultados a mostrar por seu
histórico de intransigência: hoje ele se vê cercado por dois movimentos robustos de resistência islâmica que possuem poder
de fogo e apoio popular maior
do que antes; sempre que há
eleições, as populações árabes
em toda a região vêm cada vez
mais votando em favor de movimentos políticos islâmicos;
os governos árabes em muitos
países vizinhos estão imobilizados e virtualmente irrelevantes; e há inimigos ideológicos
determinados e cada vez mais
desafiadores em Teerã e Damasco, que não hesitam em
usar todas as armas ao seu dispor, por mais prejudiciais que
possam ser aos civis e à soberania do Líbano e da Palestina.
Os EUA, por sua parte, assumiram uma posição estranhamente marginal. A política que
escolheram seguir os alinhou
de maneira inequívoca com Israel. O país impôs sanções ao
Irã, ao Hizbollah e ao Hamas,
de modo que nem sequer pode
dialogar com eles, e há anos
vem pressionando e ameaçando a Síria, sem qualquer êxito
real. A única superpotência do
mundo se mostra singularmente impotente na crise atual.
Enquanto esses quatro pares
de atores principais persistirem com suas políticas intransigentes, as conseqüências continuarão a ser sombrias. A saída
desse ciclo seria que todos os
atores negociassem uma solução política que atendesse a
suas reivindicações e queixas
legítimas. Todo o mundo parece estar disposto a fazê-lo, menos Israel e os EUA, que confiam no uso da força militar, em
ocupações prolongadas, em
sanções diplomáticas e em
ameaças. O que Israel e os EUA
farão quando não houver mais
aeroportos, pontes e usinas
árabes a destruir? A inutilidade
dessa política deveria estar clara, e uma solução diplomática
deveria ser buscada de maneira
séria, pela primeira vez.
RAMI G. KHOURI é editor-chefe do jornal "Daily
Star", de Beirute
Tradução de CLARA ALLAIN
Texto Anterior: Bush e Putin na abertura do G8 Próximo Texto: Política externa dos EUA radicaliza Oriente Médio Índice
|