São Paulo, sábado, 16 de agosto de 2008

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Lugo assume e promete combater pobreza

Ex-bispo se diz inspirado por Teologia da Libertação e afirma que cansou de viver em um Paraguai onde grassam medo e fome

Cerimônia teve presença de Lula e de presidentes mais à esquerda da América do Sul; manifestantes pediram a revisão do Tratado de Itaipu

Ivan Alvarado/Reuters
Fernando Lugo saúda a multidão que acompanhou a cerimônia de sua posse como presidente do Paraguai, ontem em Assunção

ELIANE CANTANHÊDE
ENVIADA ESPECIAL A ASSUNÇÃO

O ex-bispo Fernando Lugo, 57, que trocou a batina pela política, assumiu ontem a Presidência do Paraguai, com mandato até 2013, ladeado por líderes de esquerda, centro e direita e propondo "um pacto social que recupere a visão de um futuro compartilhado".
Num longo discurso, em que falou várias vezes em "mudanças", "país socialmente mais justo" e no "fim das desigualdades e da corrupção", Lugo disse que assumiu o sacerdócio e virou bispo embalado pela Teologia da Libertação (movimento de esquerda da Igreja Católica).
"Para combater o discurso opressor de tantas ditaduras que marcaram a história de nossa pátria americana", explicou ele, que fez uma deferência ao teólogo brasileiro Leonardo Boff, um dos expoentes da Teologia da Libertação presentes à posse -o outro era o nicaragüense Ernesto Cardenal.
Outro homenageado por Lugo foi o presidente socialista chileno Salvador Allende, derrubado no golpe militar de 1973. "Nunca nos esqueçamos de Allende!", disse.
Lugo, que rompe com 61 anos de poder do Partido Colorado, conservador, citou o geógrafo brasileiro Josué de Castro (1908-1973), ao dizer que desistiu de viver num país "onde uns não dormem porque têm medo, e outros não dormem porque têm fome".
Prometeu, assim, investir contra a pobreza estrutural: "Pretendemos que a responsabilidade social não seja só um discurso cosmético de pequenos empreendimentos". No Paraguai, 20% vivem abaixo da linha de pobreza.

Festa da esquerda
A posse foi na Praça da Independência, que reúne o Palácio de Governo, o Congresso e a Catedral Metropolitana e acomodou dois grupos: autoridades locais, chefes de governo e suas comitivas sentaram-se em cadeiras brancas, em frente ao palanque. Fora, movimentos sociais, com faixas e bandeiras, principalmente vermelhas.
O presidente estrangeiro mais festejado foi o venezuelano Hugo Chávez, com camisa vermelha e gravata azul (cores da bandeira paraguaia), aclamado também como "comandante"-apelido do ex-ditador de Cuba Fidel Castro.
Bonecos de dois metros, embalados por uma batucada quase brasileira, representaram Lugo, Chávez, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o boliviano Evo Morales, apontados como os "esquerdistas" da América do Sul. Além deles, compareceram à posse Rafael Correa, do Equador, Cristina Kirchner, da Argentina, Tabaré Vázquez, do Uruguai, e Michelle Bachelet, do Chile.
Os dois presidentes considerados à direita na região, Álvaro Uribe, da Colômbia, e Alan Garcia, do Peru, limitaram-se a enviar representantes, como o governo do distante Irã.
Os mais vaiados foram o presidente que sai, Nicanor Duarte Frutos, sob os gritos de "fuera, fuera", e o general da reserva e ex-presidenciável Lino Oviedo, acusado de "assassino, assassino". Senador, ele é líder da Unace (União Nacional dos Cidadãos Éticos) e, pelo menos no início do governo, fiel da balança pró-Lugo no Congresso.

Itaipu
Antes mesmo de Lugo surgir para a multidão, com uma "aopoi" (camisa de tear) branca e de sandálias, houve uma manifestação da Frente Social Popular, de esquerda, com enorme faixa pedindo "a recuperação de Itaipu [a usina hidrelétrica em parceria com o Brasil] e de Yacyretá [com a Argentina]".
Um dos líderes, Antonio Galeano, disse que a intenção é "devolver os recursos naturais estratégicos para o povo paraguaio, e Lugo vai fazer, porque é um dos nossos, surgiu do nosso movimento". Maria Loreta Calmon, com pele curtida pelo sol e calos nas mãos, completou: "Itaipu é nossa, é essa a vontade do povo".
Uma imensa faixa com as cores do Paraguai foi estendida entre as árvores, com as fotos de 104 pessoas, inclusive mulheres e crianças, das quase 400 que morreram no incêndio do supermercado Ycuá Bolaños, em 2004. Os donos mandaram fechar as portas, para que não saíssem sem pagar.
Afora os grupos organizados, havia casais de meia idade, famílias com crianças e até bebês. Um diplomata brasileiro deixou cair um "chipa" (espécie de pão de queijo com anis) na grama. Quando olhou, segundos depois, alguém já tinha levado para comer.
Guarânias e polcas paraguaias intercalavam-se nos microfones, enquanto as faixas iam se multiplicando. Algumas pró-reforma agrária, saúde e educação. Muitas com o líder revolucionário Che Guevara e outras pregando o socialismo.
O dia foi calmo, sem incidentes. Os presidentes caminharam do Congresso ao palácio do governo, depois para a Catedral Metropolitana, em aproximados 700 metros. Passaram a poucos metros de curiosos e manifestantes, sem problema.


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