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Islâmicos exigem retratação papal
Protestos se espalham no mundo muçulmano contra insinuação de que o islã é irracional e violento
Explicação do Vaticano não acalma clérigos islâmicos; Paquistão aprova resolução que critica o papa e político turco o compara a Hitler
DA REDAÇÃO
Apesar da tentativa do Vaticano de contornar a primeira
crise do atual pontificado, o
mundo muçulmano elevou ontem o tom de indignação contra
o papa Bento 16, que em palestra na última terça-feira teria
associado o islã à violência. Um
dos principais líderes religiosos
muçulmanos exigiu que o papa
se desculpe pessoalmente e a
maior entidade de países islâmicos protestou contra o que
chamou de "campanha suja".
A reação oficial mais severa
partiu do Paquistão, cujo Parlamento aprovou por unanimidade uma resolução condenando os "comentários pejorativos" do papa. Salih Kapusuz, vice-líder do partido do premiê
turco, Recep Tayyip Erdogan,
disse que as declarações do papa podem ter origem na "lamentável ignorância" de Bento
16 sobre o islã ou, pior, foram
uma distorção proposital.
"Ele tem uma alma escura,
que vem da escuridão da Idade
Média", disse Kapusuz. "Bento,
autor de declarações tão insolentes e infelizes, entrará para a
história na mesma categoria
que líderes como Hitler e Mussolini."
A controvérsia foi deflagrada
na terça-feira, quando Bento 16
fez uma palestra em uma universidade na região alemã da
Baviera, sua terra natal, na qual
insinuou que o islã prefere o fanatismo à razão e citou um obscuro texto medieval que chama
de "desumanos" os ensinamentos do profeta Maomé (veja trechos ao lado).
Sem ofensa
O Vaticano ontem continuou
tentando acalmar os ânimos,
sem muito sucesso. O porta-voz da Santa Sé, Federico Lombardi, defendeu a palestra de
Bento 16 e reiterou que ela não
teve a intenção de ofender os
muçulmanos. "Certamente
não foi a intenção do santo padre fazer um estudo abrangente da jihad e das idéias muçulmanas sobre o assunto, menos
ainda ofender as sensibilidades
da fé muçulmana", disse.
À agência de notícias Reuters, uma "alta fonte do Vaticano" manifestou preocupação
com a segurança do papa, que
tem viagem marcada para a
Turquia em novembro. Uma
onda de violência se espalhou
pelo mundo muçulmano em fevereiro, em protesto contra a
publicação em um jornal dinamarquês de charges consideradas ofensivas a Maomé.
"As declarações do papa são
mais perigosas que as charges,
porque partiram da mais importante autoridade cristã", advertiu Diaa Rashwan, especialista egípcio em islã.
A explicação do Vaticano foi
considerada insuficiente. "Nós
exigimos que ele se desculpe
pessoalmente, não por meio de
fontes [do Vaticano], a todos os
muçulmanos, pela interpretação equivocada", disse em Beirute Sayyed Mohammad Hussein Fadlallah, um dos principais clérigos xiitas do mundo.
Em comunicado divulgado
ontem, a Organização da Conferência Islâmica, mais importante organização mundial de
países muçulmanos, classificou
as declarações de Bento 16 de
"assassinato de caráter", parte
de uma "campanha suja".
Principal dia de orações para
os muçulmanos, a sexta-feira
teve manifestações em vários
países, como Turquia, Líbano e
Egito. Na faixa de Gaza, onde o
premiê palestino, Ismail Haniyeh, lamentou a ofensa à "essência abençoada" do islã, cerca de 2.000 pessoas participaram de um protesto contra o
Vaticano.
Apesar das explicações do
Vaticano, alguns analistas viram na declaração de Bento 16
uma tentativa de marcar uma
posição mais forte que a dos antecessores em relação à repressão sofrida pelos cristãos nos
países islâmicos. "É um passo
além da abertura de portas promovida por João Paulo 2º em
sua visita histórica ao Oriente
Médio, em 2001", disse John
Voll, diretor do Centro de Compreensão Cristã-Islâmica da
Universidade Georgetown, em
Washington.
Com agências internacionais
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