São Paulo, quarta-feira, 16 de outubro de 2002

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GUERRA À VISTA

Em referendo com resultado previamente conhecido, ditador tenta demonstrar força diante da ameaça de guerra

Iraquianos votam em Saddam com sangue

NADIM LADKI
DA "REUTERS", EM BAGDÁ

Jurando defender o presidente Saddam Hussein até a morte, os eleitores iraquianos votaram ontem num referendo presidencial cujo resultado já era declarado de antemão como sendo a vitória esmagadora do "sim".
Alguns eleitores chegaram a usar seu próprio sangue para marcar a alternativa "sim" para mais um mandato de sete anos para o líder iraquiano. Não há números oficiais quanto à porcentagem de eleitores que foram votar.
O resultado será divulgado hoje. Mas ele já é sabido, com um processo eleitoral rigidamente controlado pelo governo e a ausência de observadores independentes ou outros candidatos.
Em 1995, Saddam ganhou um referendo com 99,96% dos votos. Autoridades disseram que querem uma porcentagem ainda maior desta vez -algumas esperam o resultado perfeito: 100%.
"Obviamente não é um dia muito sério, não é uma votação muito séria, e ninguém dá credibilidade a isso", disse Ari Fleischer, porta-voz da Casa Branca.

Desafio
O governo incentivou os eleitores a comparecer em massa para manifestar seu apoio a Saddam, diante das ameaças americanas de ação militar e do desejo do presidente George W. Bush de removê-lo do poder.
"Com nosso sangue e nossas almas defendemos Saddam Hussein", gritavam partidários do presidente em Bagdá. Dito e feito: um deles furou seu polegar direito com um alfinete e passou a escrever "sim" na cédula com seu sangue. "Escrevi não com a caneta, mas com meu sangue", ele disse. Cenas semelhantes se repetiram em outros locais de voto.
"Este é o Iraque, e este é o povo do Iraque", disse a jornalistas o principal vice de Saddam Hussein, Izzat Ibrahim. "Como a América vai combater este grande povo? Quanto a América vai perder, e por que motivo?".
Quase 12 milhões de iraquianos iriam responder com um simples "sim" ou "não" à pergunta sobre o novo mandato presidencial de Saddam, que já governa o Iraque há 23 anos por meio do controle estreito dos militares e da polícia.
Não foram vistos sinais do presidente, mas seu filho mais velho, Uday, compareceu para votar. Ele chegou num Rolls Royce vermelho na zona eleitoral no centro de Bagdá. Cercado por guarda-costas, saiu do carro, assinalou seu voto na cédula e a entregou a um menino. O menino foi escoltado até dentro da estação por um guarda-costas e pôs o papel na urna. Uday partiu sem pôr os pés dentro do posto de votação.
Partidários de Saddam começaram a comemorar a vitória pouco após a abertura das urnas, dançando na capital e levando ovelhas para serem abatidas, um ato tradicional árabe de comemoração. Chá e refrescos foram distribuídos de graça por membros do partido governista, Baath. Os tons de discagem dos telefones em alguns bairros foram substituídos por mensagens gravadas dizendo "sim, sim, sim a Saddam".
As manifestações de entusiasmo por Saddam foram mais fortes em sua cidade natal, Tikrit (180 km de Bagdá). Com adesivos de Saddam colados no peito, cerca de 20 soldados juraram sacrificar-se para defender seu líder.
Crianças usando camisetas com retratos de Saddam se reuniam diante dos locais de voto, batendo palmas e aplaudindo. "Saddam, Saddam, nós o amamos", elas cantavam. "Bush, Bush, onde você está dormindo? Debaixo dos sapatos de Saddam."
Nomeado presidente em 1979, Saddam liderou o Iraque em duas guerras e já sobreviveu a diversos desafios. Mas, com os EUA determinados a desarmar o país, é possível que ele enfrente seu teste mais difícil nos próximos meses.



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