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São Paulo, domingo, 16 de novembro de 2003

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BÁLCÃS

Ajuda financeira prometida para a reconstrução está atrasada, e sentimento contra os EUA se espalha pela região

Premiê sérvio ataca descaso americano

JOÃO CARLOS ASSUMPÇÃO
DA REPORTAGEM LOCAL

Quatro anos depois da ofensiva militar da Otan (aliança militar ocidental) na Iugoslávia, a reconstrução da região caminha a passos de tartaruga. A ajuda estrangeira, coordenada pelos Estados Unidos, tem sido muito aquém da desejada, e a solução para os problemas de Kosovo, Província administrada pela comunidade internacional, ainda está distante.
O quadro foi descrito pelo primeiro-ministro da Sérvia, Zoran Zivkovic, 42, que esteve no Brasil para participar da Internacional Socialista, realizada em outubro.
Para o premiê, que substituiu Zoran Djindic, assassinado em março, o país paga até hoje um alto preço pelo ataque militar que sofreu em 1999.
Zivkovic afirma que, da mesma forma que a repressão praticada por iugoslavos contra a população de origem albanesa em Kosovo não se justificava, o ataque liderado pelos Estados Unidos contra Belgrado ""foi lamentável". Em entrevista à Folha, ele não poupa críticas à ação dos norte-americanos e ao papel da ONU na nova ordem mundial.
 

Folha - Depois de todos os conflitos que marcaram os Bálcãs nos anos 90, como o sr. vê a situação de Sérvia e Montenegro?
Zoran Zivkovic -
Hoje existe uma certeza: a partir de agora, os conflitos não serão mais resolvidos com armas, o que já é muito importante. Só que o que aconteceu conosco nos anos 90 deixou consequências gravíssimas para a Sérvia. Além da perdas de vidas e da destruição, houve uma enorme queda na atividade econômica. Hoje o PIB é 25% do que era há 12 anos. E há cerca de 700 mil refugiados das repúblicas da antiga Iugoslávia, o que só agrava a situação.

Folha - Como o sr. analisa o auxílio internacional à Sérvia?
Zivkovic -
Houve promessa de uma ajuda maior, de US$ 4 bilhões. Até agora entraram cerca de US$ 2,5 bilhões, o que não é nada, já que só os prejuízos causados pelos bombardeios da Otan passam de US$ 20 bilhões.

Folha - O antiamericanismo aumentou na Sérvia?
Zivkovic -
O sentimento negativo em relação aos EUA está espalhado em toda a nossa sociedade. Os americanos bombardearam a Sérvia sob o pretexto de derrubar [o ditador Slobodan] Milosevic, só que não foram os EUA que o derrubaram, foram os próprios sérvios. O bombardeio, então, acabou não sendo especificamente contra Milosevic, mas contra o cidadão comum, que nada fizera.
No Iraque, o pretexto também era derrubar Saddam Hussein, embora as situações fossem diferentes. A única e importante conclusão de uma comparação entre os dois casos é que, em todas as guerras, quem sofre é o cidadão.

Folha - Um mês depois da formação de Sérvia e Montenegro, Djindic foi morto. Como anda o processo contra os assassinos?
Zivkovic -
Uma das razões para Djindic ter sido assassinado foi a intenção de seu governo de combater justamente o crime organizado. Hoje a situação é um pouco distinta, uma parte dos dirigentes do crime organizado está presa, outra fugiu do país e, em relação ao que era no ano passado, houve um avanço. O mais importante é que não há mais ligação entre a cúpula do crime organizado e a cúpula do país. Quanto ao assassinato de Djindic, está para começar o julgamento dos acusados.

Folha - Uma questão que deveria ser resolvida até dezembro era Kosovo, que está sob tutela da ONU desde 1999 e quer a independência. O prazo vai ser cumprido?
Zivkovic -
Posso dizer que a questão não vai ser resolvida até o final deste ano. O processo não está andando bem. As tropas sérvias foram retiradas de Kosovo, só que a ONU e a comunidade internacional fizeram muito pouco. Exemplos: em quatro anos, na presença de tropas internacionais, foram mortos mais de 1.300 sérvios, nem 1% dos 200 mil refugiados sérvios conseguiu voltar, continuam sendo destruídos edifícios de séculos de história. E mais: ninguém foi julgado por esses crimes.

Folha - O sr. diria que a ONU está cada vez mais fraca?
Zivkovic -
O fim da bipolaridade no mundo trouxe como uma das consequências o enfraquecimento das Nações Unidas. É muito claro que há uma única superpotência, os EUA, então é preciso rediscutir o papel da ONU.

Folha - E a política antiterrorismo do governo George W. Bush?
Zivkovic -
Para combater o terrorismo é necessária uma ação preventiva e uma curativa. Nas duas últimas décadas, a ação preventiva, que inclui o combate à miséria no Terceiro Mundo, foi deixada de lado. Justamente por isso o tratamento curativo é tão drástico.
Os EUA têm um papel na guerra contra o terrorismo? Sim. Mas eles pensam muito mais na terapia curativa do que na preventiva, quando deveria ser o contrário. E o terrorismo não pode virar justificativa para ataques com fins políticos, como vem acontecendo.


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