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São Paulo, domingo, 16 de novembro de 2003

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AMÉRICA LATINA

Especialistas dizem que realização frequente de consultas populares não é reflexo de maturidade política

Analistas criticam apelo a referendos

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

Plebiscitos e referendos em grande quantidade na América Latina não são necessariamente um indício de que a democracia esteja funcionando. Pode estar ocorrendo exatamente o oposto, já que as instituições políticas não dão conta dos conflitos sociais.
É o diagnóstico do historiador britânico Kenneth Maxwell, brasilianista e diretor do programa de estudos latino-americanos no Conselho de Relações Internacionais, em Nova York.
Ele disse à Folha ser esse um problema de países andinos como a Bolívia e o Equador, onde populações de origem indígena se organizaram de forma agressiva nos últimos anos e não encontraram respaldo nas decisões das elites políticas tradicionais.
"Se o conflito vai a referendo é sinal de que algo está funcionando mal no sistema político", diz Maxwell.
O ensaísta e historiador argentino Marcos Aguinis faz um diagnóstico na mesma linha. "Quando há divórcio entre governantes e frustração popular, pensa-se logo em plebiscito", disse.
O caso do Equador é típico. Segundo o Observatório Eleitoral Latino-Americano, centro de estudos baseado na Costa Rica, nos últimos 25 anos ele foi o segundo país que mais usou a consulta popular. O primeiro foi o Uruguai.
Em 1995, o presidente equatoriano, Sixto Durán-Ballén, foi derrotado no plebiscito que reestruturaria o Congresso e o Judiciário. Em 1996, após a revolta popular que deporia seu sucessor (Abdalá Bucaram, "El Loco"), houve novo referendo, em que o já presidente Fabian Arlacón procurou nas urnas formas de combater o desemprego e estabilizar a economia.
Na Bolívia, cuja Constituição não prevê consultas populares, o último presidente, Sánchez de Lozada, deposto por revolta popular, prometeu, no começo de outubro, submeter às urnas o polêmico plano de exportação de gás. Seu sucessor, Carlos Mesa, evoca a mesma promessa.
No México, também inexistem plebiscito ou referendo. Mesmo assim, o presidente Vicente Fox diz que poderá usar o recurso.
O Brasil ocupa posição modesta nesse quadro. Foram duas vezes na história republicana: a de 1963, que reinstituiu o presidencialismo, e a de 1993, que optou pela república presidencialista.
Celso Lafer, chanceler nos governos Collor e FHC, cita um detalhe importante: o Congresso é o único habilitado pela Constituição de 1988 a convocar referendos ou plebiscitos. Não é atribuição do presidente, que assim não tem um instrumento para atropelar o Legislativo e obter a legitimidade diretamente com os eleitores.
O país em que o referendo se tornou instrumento caricatural é a Venezuela. Chávez o utilizou quando estava em alta. Agora manobra para, em baixa, não ser destituído em consulta popular.
Há dois anos, "Chávez tinha uma liderança regional forte", diz o cubano exilado Carlos Alberto Montaner, co-autor do "Manual do Perfeito Idiota Latino-Americano" (1996), uma profissão de fé no liberalismo. Chávez chegou a propor que ninguém aderisse à Alca (Área de Livre Comércio das Américas) sem um prévio plebiscito. Mas hoje prevalece o comportamento moderado e diplomático do presidente Lula.
Atílio Borón, secretário-executivo do Clacso (Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais), diz que plebiscitos e referendos são pouco usados no continente. Vota-se menos que na Europa (adoção da moeda comum) ou que nos EUA, quando a agenda política tem temas relevantes.


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