São Paulo, sexta-feira, 16 de dezembro de 2005

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IRAQUE SOB TUTELA

Estimativa é que comparecimento tenha ficado em torno de 70%; eleição transcorre sem incidentes graves

Sunitas aderem e iraquianos votam em peso

DA REDAÇÃO

A segurança reforçada e os sucessivos apelos de líderes sunitas surtiram efeito nas eleições parlamentares de ontem no Iraque: a minoria compareceu em peso para votar, e nenhum incidente mais grave foi registrado. Com isso, o índice de participação ficou em torno dos 70%, bem acima de votações anteriores.
Por conta do boicote que promoveram na eleição para uma assembléia interina, em janeiro último, os sunitas -que já são a fatia menor da população iraquiana- acabaram sub-representados no Parlamento. Como resultado, tiveram de se submeter às decisões tomadas pela maioria xiita e por seus aliados curdos, além de ficarem quase sem influência sobre a redação da nova Constituição do país, aprovada em outubro.
Tal cenário agravou tensões sectárias latentes antes da queda de Saddam Hussein (1979-2003) e em ebulição desde a invasão dos EUA, em março de 2003. Os sunitas, que compõem menos de 20% da população, eram privilegiados pelo ex-ditador (ele mesmo um sunita), enquanto curdos (15%) e xiitas (60%) eram perseguidos e reprimidos. De repente, viram-se quase sem poder.
Ontem a história mudou. Mesmo na conturbada Fallujah -um bastião da insurgência sunita e, segundo Bagdá e Washington, esconderijo de terroristas- o índice de comparecimento chegou a 70%, pela estimativa de autoridades locais. Tamanha participação surpreendeu: em alguns postos, as cédulas acabaram. Faltaram urnas, e foi preciso dobrar o limite de votos que cada uma delas podia receber.
Na Governadoria (Província) de Anbar, onde fica Fallujah e onde os sunitas são ampla maioria, 40 dos 207 centros de votação não abriram. A Província, no oeste do Iraque, é uma das mais violentas do país, e as autoridades preferiram concentrar as forças de segurança nas áreas mais populosas da região, deixando fechados centros em locais mais ermos.
Em Saladin, Província onde fica a cidade em que Saddam cresceu, Tikrit, a participação foi de 80%.

Saída americana
"Os árabes sunitas cometeram um grande erro em boicotar a última eleição. Ficamos de fora da redação da Constituição", disse Talal Ali, um sunita de 25 anos que votava em Kirkuk.
Mas não foi apenas o saldo negativo obtido com o boicote de janeiro que motivou os sunitas a votarem. Tanto o governo iraquiano como o americano classificam a eleição de ontem como o passo mais importante desde a invasão dos EUA para que os iraquianos assumam plenamente o controle de seu país.
A soberania foi oficialmente reentregue ao Iraque pelos EUA em junho de 2004, mas 157 mil soldados americanos permanecem no país (quase 20 mil deles trazidos com reforço especialmente para o período eleitoral) para manter a segurança. Além disso, o atual governo interino, encabeçado pelo premiê xiita Ibrahim al Jaafari, tomou posse sob os auspícios de Washington, com o qual mantém laços estritos.
Com uma Assembléia Nacional eleita para um mandato completo de quatro anos e com os sunitas reintegrados ao processo político, a expectativa é que diminua a violência. Estimativas independentes dão conta de 30 mil civis mortos desde o início da guerra.
Com a melhora da segurança e o paulatino treinamento das forças iraquianas, os EUA afirmam que poderão começar a deixar o país. Em um cenário positivo, o Pentágono deve iniciar o corte de contingente já neste mês, e, até o fim de 2006, estuda reduzir as tropas para menos de 100 mil homens -uma resposta não só aos iraquianos, mas também às críticas que o governo de George W. Bush sofre em seu próprio país.

"Marco democrático"
O dia de ontem transcorreu sem incidentes graves, cenário raro no Iraque atual. Para tanto o país fechou suas fronteiras uma semana antes, proibiu por três dias o tráfego de automóveis a fim de evitar ataques com carros-bomba e impôs um toque de recolher nas regiões mais conturbadas.
A segurança nos mais de 6.000 locais de votação foi reforçada com mais de 200 mil soldados e policiais iraquianos, e forças americanas funcionaram como apoio. O pior incidente registrado foi a morte de um guarda em Mossul em um ataque com morteiro.
A votação foi celebrada pela Casa Branca, pela ONU e pelo governo interino. "No final das contas, foi um belo dia. Um dia histórico", disse o enviado das Nações Unidas ao Iraque, Ashraf Qazi.
"Quero cumprimentar os cidadãos iraquianos pela coragem, por derrotarem os terroristas e não se deixarem intimidar para não votar. Creio que os iraquianos preocupam-se tanto com a liberdade quanto os americanos", disse Bush, referindo-se ao dia de ontem como "um grande marco da marcha democrática".
"A população iraquiana está mostrando ao mundo que todos os povos, seja qual for sua formação, têm condições de escolher seus próprios líderes e de viver em liberdade", declarara antes Scott McClellan, seu porta-voz.
Segundo analistas e pesquisas informais feitas por agências de notícias, a votação deve consolidar a força de dois grupos xiitas.
Um, laico, é liderado pelo ex-premiê Iyad Allawi, o favorito dos EUA para governar. O outro, liderado pelo clérigo Abdul-Aziz al Hakim, quer um Estado islâmico.
O Conselho Eleitoral do Iraque prevê que os resultados sejam divulgados em duas semanas.


Com agências internacionais

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