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Cúpulas buscam firmar
AL ante os EUA
Em evento na Bahia, chanceleres latino-americanos defendem maior autonomia da região diante de "potências externas"
Amorim diz ter frustrações quanto ao código aduaneiro do Mercosul e à cobrança dupla da Tarifa Externa Comum vigente no bloco
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL À COSTA DO SAUÍPE
Em dezembro de 1823, o presidente americano James Monroe lançou uma doutrina cristalizada em uma frase: "A América para os americanos".
Em dezembro de 2008 -ontem, mais exatamente- o
chanceler brasileiro Celso
Amorim descreveu a cúpula
América Latina-Caribe, que se
realiza amanhã na Bahia, como
uma espécie de a América Latina (mais o Caribe) para os latino-americanos.
A frase de Amorim foi exatamente esta: "É inacreditável
que seja necessário, nesses 200
anos (após as independência
dos países latino-americanos;
ou menos no caso do Caribe),
que os países da região tenham
que se reunir na presença de
poderes externos". E mencionou EUA, Espanha e Portugal
como os "poderes externos".
Se Monroe fez de sua doutrina um libelo contra a colonização européia, Amorim fez questão de não ser contra ninguém.
"Queremos boas relações com
os Estados Unidos, mas a cúpula revela a maturidade no relacionamento entre países de diferentes matizes ideológicos na
América Latina e no Caribe, o
que sempre produz ganhos no
relacionamento com os outros
países do continente", afirmou.
O chanceler também disse
não ser "desejável" nem "possível" que os EUA recuperem a
hegemonia no subcontinente
-"eles não querem".
O problema para essa visão
integracionista da região é que
ela não tem sido capaz de resolver problemas básicos na área
econômico-comercial, do que
dá testemunho o próprio Amorim. Na fala com que abriu, ontem pela manhã, outra cúpula
regional (a do Mercosul), sem
saber que ela estava sendo
transmitida para a sala de imprensa, a três quilômetros do
local da cúpula, Amorim confessou "duas frustrações".
A primeira foi o fato de que
não se conseguiu acordo para
eliminar a dupla cobrança da
TEC (Tarifa Externa Comum).
A proposta na mesa -que tanto
o Itamaraty como a Chancelaria argentina chegaram a dar
como aprovada- previa eliminar, numa primeira etapa, as
tarifas mais baixas (2%, 4% e
6%), e só depois as mais altas.
A TEC é a tarifa que caracteriza uma união aduaneira, um
passo adiante em matéria de
integração, em relação a uma
área de livre comércio. Nesta,
os países-membros zeram as
tarifas de importação entre
eles. Na união aduaneira, cobram a mesma tarifa para importações dos não-membros,
mas cobram uma vez só.
Hoje, um prego que entre no
Brasil paga a TEC do Mercosul,
mas se for reexportado para,
por exemplo, o Paraguai, volta a
pagá-la.
Paraguai
A União Européia "joga sempre na nossa cara", como disse
Amorim, que é preciso eliminar
essa duplicidade para poder
avançar na negociação de um
acordo comercial entre blocos.
O Paraguai, no entanto,
opôs-se à eliminação, porque,
segundo Amorim, trata-se para
ele de uma receita importante.
A maneira de superar a oposição paraguaia era aprovar também um Código Aduaneiro, que
redirecionaria receitas para os
países prejudicados (no caso, os
menores, Paraguai e Uruguai).
Os paraguaios não se convenceram, pois o Brasil, como
maior importador, ficaria com
a maior parte da receita inicial.
"Se os recursos entrassem primeiro no orçamento deles, para depois ser repassado ao nosso, eu também não aceitaria",
disse Amorim.
O malogro na aceitação do
Código Aduaneiro foi a segunda frustração do ministro, mas
o som e a imagem de sua fala já
haviam sido cortados na sala de
imprensa -os jornalistas só ficaram sabendo depois, em entrevista coletiva do chanceler.
A eliminação da TEC acabou
adiada para uma reunião extraordinária de ministros do
Mercosul, no início do ano.
Enquanto ela não acontece,
Amorim acena com a hipótese
de elevar a TEC do Mercosul
como uma espécie de retaliação
pelo fracasso da Rodada Doha
de liberalização comercial, que
deveria estabelecer a redução
dos subsídios dos países ricos a
seus produtores agrícolas.
Para Amorim, a "hibernação"
de Doha, como ele a chamou,
"provoca total insegurança inclusive sobre subsídios", o que
levou a "demandas pontuais"
pela elevação da TEC, que estão
em análise. "Não vamos ficar
inermes ante medidas desleais
de comércio", completou.
Para compensar as "frustrações", Amorim vendeu aos jornalistas uma lista de nove pontos em que houve acordo na cúpula do Mercosul, da aprovação
de um fundo de garantia (US$
100 milhões) para financiar pequenas e médias empresas até a
decisão dos países do bloco de
absorver as exportações de têxteis da Bolívia que iam para os
EUA, até que Evo Morales rompeu o acordo com Washington.
Não deixa de ser uma medida
concreta para dar ossatura à retórica de a América Latina para
os latino-americanos.
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