São Paulo, sexta-feira, 17 de março de 2006

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IRAQUE SOB TUTELA

Os dois países, sem relações diplomáticas há 27 anos, excluem do diálogo o programa nuclear iraniano

Caos no Iraque leva EUA e Irã a negociarem

DA REDAÇÃO

Numa iniciativa em muitos sentidos surpreendente, o Irã propôs ontem abrir discussões com os Estados Unidos sobre a normalização da situação no Iraque.
Washington aceitou o diálogo, disse que não será abordado o programa nuclear iraniano -já na pauta do Conselho de Segurança da ONU- e indicou para a tarefa Zalmay Khalilzad, embaixador americano em Bagdá.
A iniciativa de abrir um canal diplomático entre dois países que há 27 anos não têm relações bilaterais foi anunciada ontem, em Teerã, por Ali Larijani, secretário do Conselho Supremo de Segurança Nacional de seu país e também principal negociador iraniano na AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica).
Larijani disse que seu governo se predispunha a discutir exclusivamente o Iraque, maneira de não aceitar que, numa barganha, a questão nuclear iraquiana pudesse ser incluída. Segundo Larijani, o primeiro passo foi dado pelo embaixador americano no Iraque, que "reiteradamente" propôs a seu governo um diálogo sobre a situação daquele país.
O porta-voz da Casa Branca deixou claro que se trata de "uma tarefa muito bem definida, que diz respeito apenas a problemas relativos ao Iraque".
Apesar da guerra entre os dois vizinhos (1980-88), que deixou 1 milhão de mortos, o Irã, república muçulmana xiita com população majoritariamente persa, tem afinidades com os xiitas iraquianos, de etnia árabe. Eles possuem no país maior peso demográfico e hegemonia no Parlamento.
Washington teme que, ao se democratizar, o Iraque adote o modelo iraniano de república islâmica. A realização de contatos bilaterais entre o Irã e os EUA havia sido sugerida nesta semana, em Bagdá, pelo dirigente xiita iraquiano Abdulaziz al Hakim, em razão do impasse nas negociações entre as facções internas (árabes sunitas, árabes xiitas e curdos) para formar o novo governo. Al Hakim tem ligações com o Irã.
No início de março o ex-presidente do Parlamento do Irã Mehdi Karroubi disse ao "Los Angeles Times" que a supressão do diálogo com os EUA, decidida pelo primeiro líder da teocracia iraniana, o aiatolá Ruhollah Khomeini, "não deverá durar para sempre". Larijani disse que nas próximas horas indicaria o dirigente que se reunirá com o embaixador americano.
Nos últimos dias o secretário americano da Defesa, Donald Rumsfeld, acusou milícias iranianas de atuarem no Iraque ao lado de forças insurgentes. O presidente George W. Bush disse dias depois que o Irã enviava explosivos ao Iraque para matar soldados americanos nas estradas.
O Irã negou as duas acusações e respondeu que as forças de ocupação americanas eram as únicas responsáveis pela situação.
Os EUA, que durante a Guerra Fria apoiavam a dinastia que governou o Irã até 1979, rompeu relações depois que 52 americanos foram mantidos por 444 dias como reféns no prédio de sua embaixada na capital iraniana.
O clima bilateral melhorou a partir de 1997, quando o então presidente Mohammad Khatami procurou quebrar o gelo por meio do envio aos EUA de atletas para competições esportivas. Mas seguiu-se uma deterioração quando, já eleito, Bush enquadrou o Irã no "eixo do mal" e o novo presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, passou a fazer declarações anti-semitas.
O grande litígio bilateral é, no entanto, o programa nuclear iraniano, que Washington, ao lado dos europeus, suspeita ter objetivos militares. O Irã argumenta querer dominar a produção de combustíveis e a tecnologia dos reatores para produzir energia.


Com agências internacionais

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