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São Paulo, quinta-feira, 17 de abril de 2003

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PERGUNTAS E RESPOSTAS

O fim dos combates no Iraque deixa em aberto várias questões sobre as consequências do conflito e o futuro da região

DO "INDEPENDENT"

Quantos morreram na guerra?
Do lado da coalizão: 119 americanos foram mortos e quatro estão desaparecidos; e 30 britânicos morreram. Segundo os EUA foram mortos mais de 3.650 combatentes iraquianos. O Iraque não forneceu estatísticas de mortes de militares, mas afirma que 1.254 civis foram mortos até o dia 3 de abril. Mais de 5.000 ficaram feridos.

Os iraquianos se sentem libertados?
Num primeiro momento, houve um comportamento ambivalente. A população não estava disposta a tomar as ruas e defender o regime de Saddam, mas eles estavam extremamente desconfiados dos verdadeiros motivos da força estrangeira.
Isso já mudou bastante. A morte de civis por tropas americanas, os dias de saques sem a intervenção dos americanos e o fracasso das tentativas de restaurar o fornecimento de água e energia transformaram essa ambivalência em hostilidade.

Onde estão as armas de destruição em massa?
A verdadeira questão poderia ser: havia alguma? Até agora, não foi encontrado nada em relação a armas de destruição em massa químicas, biológicas ou nuclerares. A suposta existência desse arsenal foi o motivo formal da guerra e, por estar no centro da resolução 1.441 da ONU, a única justificativa para o conflito.
O principal conselheiro científico de Saddam Hussein, general Amer Hammoudi al Saadi, que se rendeu, nega a existência de armas de destruição em massa. Para a ONU, no entanto, ele não tem credibilidade.
O secretário de Estado dos EUA, Colin Powell, apresentou em fevereiro provas pouco convincentes ao Conselho de Segurança da ONU. Além disso, os EUA agora admitem que documentos da inteligência "provando" que o Iraque comprou material para construção de armas nucleares foram falsificados por uma agência de inteligência ocidental, possivelmente a MI6 (britânica) ou a Mossad (israelense).
A questão óbvia é: se Saddam tinhas essas armas, por que não as usou?

Onde está Saddam Hussein?
Há muitos boatos, inclusive que ele fugiu para a Bielorússia ou que ele está em um complexo sistema de túneis sob seus palácios de Bagdá.
Contrariando especulações, Saddam não foi morto em bombardeio no distrito de Mansur, em Bagdá. Os catorze corpos encontrados no local eram de civis.
Os iraquianos já estão até falando de "conspirações". A mais bombástica delas envolveria um acordo para que Saddam se salvasse -como em 91. Em seguida, seria levado de volta ao poder.

A ONU deixou de ser relevante?
Há análises que afirmam que os EUA e o Reino Unido, ao tomarem a lei internacional para si em nome da ONU, marginalizaram para sempre a organização. Mas a Guerra do Iraque é um modelo para resolver os problemas de armas de destruição em massa em países como a Coréia do Norte, Irã e Paquistão?
Mesmo os mais agressivos dentre os falcões de Washington dificilmente defenderiam que um ataque preventivo é o caminho para lidar com os "Estados delinquentes". Além disso, o Reino Unido não os apoiaria de novo. No final, portanto, os EUA e o Reino Unido podem ser obrigados a voltar à comunidade internacional, tanto para ajudar na reconstrução do Iraque quanto para empregar pressão diplomática e desarmar outros países.

Como fica a aliança antiguerra agora?
Muitos do lado contrário à guerra -de governos a indivíduos- se encontram divididos. É difícil ficar indiferente a sinais de alegria em muitos iraquianos por causa de deposição de Saddam.
Mas os franceses e os alemães ainda argumentam que o sucesso da guerra não justifica a decisão de abrir um precedente internacional e desafiar a vontade da maioria da ONU para declarar uma guerra preventiva contra o Iraque.

A guerra foi legal?
Depende de para quem se faz essa pergunta. A visão dos EUA é de que o Iraque já havia violado tantas resoluções da ONU que já passava da hora de uma ação militar, e se a ONU não estava preparada para autorizá-la, os EUA estavam livres para agir.
A opinião do governo britânico é de que a guerra foi legal porque a resolução 1441 do Conselho de Segurança da ONU citou todas as resoluções prévias e pelo menos uma delas previa o uso de "todos os meios necessários" no caso do não-cumprimento.
Para a maioria do Conselho de Segurança, no entanto, essa resolução não continha nenhum gatilho automático para a guerra, que o termo "sérias consequências" não significava "todos os meios necessários" e que seria preciso uma segunda resolução autorizando a ação militar.

O que aconteceu aos escudos humanos?
Alguns deixaram o Iraque logo após o início do conflito; outros foram deportados por se recusarem a ficar nos alvos. Alguns realmente ficaram em estações de energia e de tratamento de água e refinerias de petróleo. Nenhum morreu.

Os contratos de reconstrução vão para amigos da Casa Branca?
O prêmio financeiro é enorme: um programa que pode chegar a US$ 100 bilhões, a serem gastos desde a reconstrução e modernização da indústria petrolífera até o levantamento da infra-estrutura básica, como escolas, hospitais e prédios públicos. Esse processo já está sendo bastante conflituoso.
Os EUA parecem estar trabalhando com princípio de que os vitoriosos devem ficar com o espólio. Os primeiros contratos de reconstrução foram ganhos pela agência de desenvolvimento USAid, subordinada ao Departamento de Estado, como medida emergencial. As firmas americanas começaram na frente, e mesmo companhias britânicas estão sendo deixadas para trás.

A "Doutrina Rumsfeld" saiu vitoriosa?
A teoria do secretário da Defesa Donald Rumsfeld é que os EUA têm o direito de se proteger agindo preventivamente para evitar uma ameaça externa. O Iraque constituía uma ameaça desse tipo. Se o Iraque representa agora uma ameaça menor, depende do futuro próximo e de qual é a definição de "ameaça". Saddam foi deposto, mas o resultado poderá ser a multiplicação de atos terroristas contra os americanos.
Devido ao fato de que Powell e Rumsfeld discordavam publicamente durante a política diplomática que precedeu a guerra, a vitória de Rumsfeld automaticamente significa a derrota de Powell e seu multilateralismo. Ficou evidente, no entanto, que Powell havia perdido sua disputa com Rumsfeld mesmo antes do fracasso na ONU. Powell parecia ter sido cooptado a apresentar uma face do governo Bush mais palatável ao resto do mundo. Isso lhe custou credibilidade e afetou seu poder de decisão.

Este é o primeiro passo para o reordenamento do Oriente Médio?
Pode ser que sim, mas depende de uma série de fatores, sobretudo se Washington -nunca reconhecida por sua paciência- está preparada para levar adiante sua tarefa no Iraque. Se o país pós-Saddam emergir como um lugar mais livre, próspero e democrático, a visão de um Estado-modelo pode se realizar. Outros países, como Egito e Arábia Saudita, podem ficar sob intensa pressão interna para mudar suas práticas.
É pouco provável que os EUA empreguem força militar num futuro próximo, mesmo contra a Síria, que se tornou recentemente sócia do "eixo do mal". Washington avalia que o exemplo iraquiano servirá de lição para os outros, mesmo em Damasco e Teerã. A crença é que pressões diplomáticas e econômicas serão o suficiente.

Os curdos iraquianos lutarão por independência?
Não. Os curdos iraquianos, com sua linguagem e cultura próprias, certamente acreditam que têm o direito à autodeterminação. Eles foram brutalmente oprimidos durante décadas -300 mil foram forçados a fugir da campanha de limpeza étnica de Saddam, que assentava árabes em suas cidades e vilas. No entanto, em razão dos últimos 30 anos e pelo fato de que estão cercados de vizinhos hostis, eles admitem que uma grande dose de autonomia dentro de uma federação iraquiana é a melhor opção possível, principalmente por ter direito a voz em um futuro governo central.

Ahmed Chalabi, líder do Congresso Nacional Iraquiano (CNI), é apenas um fantoche americano?
Poucas personalidades estrangeiras polarizam tanto o governo Bush quanto ele. Mas Chalabi, líder do grupo de oposição no exílio mais visível antes da guerra, deve ter uma grande influência no novo governo iraquiano.
Chalabi, que havia deixado a Jordânia antes de uma condenação por fraude, insiste, de seu quartel-general, em Nassiriah, que não tem a intenção de assumir um papel de liderança no Iraque. Mas Chalabi -depois de duas décadas de oposição a Saddam e de sobreviver a nove supostas tentativas de assassinato- dificilmente ficará de fora do páreo.
A CIA, que, junto com o Departamento de Estado, se opõe a Chalabi, vazou recentemente um relatório que conclui que ele tem pouco apoio, mesmo dentro de sua comunidade xiita. No Iraque, seria considerado mais um oportunista do que um salvador.
Seus aliados no Pentágono e o vice-presidente Dick Cheney, no entanto, o consideram um democrata convicto e moderno.

E as supostas ligações com a Al Qaeda?
Depois dos atentados de 11 de setembro de 2001, o governo Bush passou a afirmar que havia ligações entre a Al Qaeda e o Iraque, com o objetivo de centrar foco no regime de Saddam. A campanha foi um sucesso: cerca de metade dos americanos acredita que Saddam foi o responsável pelos ataques. Mas até agora não há nenhuma evidência disso.


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