São Paulo, sábado, 17 de maio de 1997.



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O DERROTADO
Presidente acumula fortuna, enquanto a renda per capita do país cai pela metade em menos de sete anos
Após 32 anos, Mobutu deixa um Zaire falido

JOÃO BATISTA NATALI
da Reportagem Local


Embora tradições tribais africanas tolerem nomes próprios superlativos, não é difícil descobrir a índole mitomaníaca do presidente do Zaire. Mobutu Sese Seko Kuku Ngbendu Wa Za Banga significa "O Galo que Canta Vitória, o Guerreiro que Conquista Sem Nunca Ser Detido".
Passará para a história africana por sua longevidade no poder.
Foram quase 32 anos, comparáveis aos de raros governantes -Kenyatta no Quênia, Ouphouet da Costa do Marfim, Senghor do Senegal, Burguiba da Tunísia-, que, ao contrário dele, no entanto, traziam como legitimidade política um passado anticolonial.
Deixa um país bem mais miserável. A renda per capita é hoje a metade dos US$ 230 de 1990, por exemplo. Ingerem-se em média 1.500 calorias por dia, 1.000 a menos que o necessário à nutrição. Metade das crianças sofre de paludismo; 51% das mortes são por infecções e doenças parasitárias.
Falência do Estado
A carência material, prolongada e crônica, acabou por institucionalizar a lei do mais esperto e do mais forte. A imagem mais típica do mobutismo talvez tenha sido, nas últimas semanas, milhares de soldados que montaram centenas de barreiras nas estradas, para extorquir e molestar sexualmente refugiados e viajantes.
O presidente deposto construiu poucas escolas ou rodovias. Recebeu para tanto ajuda externa, suspensa em 1991, diante da evidência de que o dinheiro acabava abastecendo seus cofres pessoais. Eles hoje acumulariam, segundo alguns, mais de US$ 4 bilhões.
O Estado está falido. O Orçamento do ano passado previa US$ 300 milhões para todos os serviços públicos e US$ 372 milhões de dotação presidencial, destinada sobretudo aos 25 mil soldados de uma guarda pessoal, os únicos que ainda recebiam o soldo em dia.
Oficial subalterno
Mobutu, formado em jornalismo na Bélgica, começou sua carreira como oficial subalterno da Força Pública, nos tempos em que Bruxelas procurava mesclar as etnias do então Congo Belga nesse misto de polícia e Exército.
Não era um personagem de primeira linha quando, em 1960, o país se tornou independente. Ascendeu apoiado por sua tribo, os gbandi, quando o presidente Joseph Kazavubu e o primeiro-ministro Patrice Lumumba se depararam com uma guerra civil.
Por sua posição estratégica na África Central, o atual Zaire se tornou o pivô continental dos confrontos Leste-Oeste. Os soviéticos apoiavam Lumumba, e os belgas e norte-americanos, a Província separatista de Katanga, governada por Moises Tchombé.
Não há estimativas precisas sobre quantas dezenas de milhares de zairenses tenham morrido nesse período, interrompido em 24 de novembro de 1965, com um golpe de Estado patrocinado pela CIA (há hoje farta documentação a respeito) que levou Mobutu ao poder.
Autoritarismo
Foi desde o início um regime autoritário, iniciado com o enforcamento do ex-primeiro-ministro Evaristo Kimba. A propaganda se construía segundo a dupla mística do nacionalismo (os nomes de batismo cristão foram africanizados em 1972) e da unidade nacional.
O regime nacionalizou as grandes empresas (em 1973) e as pequenas (em 1975). Recuaria em seguida. A legislação suprimiu o tratamento de "senhor". Todos se chamavam por "cidadão".
Mas, por trás das aparências, prevalecia um sólido aliado ocidental, que deu amparo logístico à intervenção norte-americana na guerra civil de Angola e apoiou, na África do Sul, os adversários do partido CNA, do hoje presidente Nelson Mandela.
O establishment mobutista difundiu a mística de que um de seus lastros foi paz interna. Não é tampouco verdade. Alguns exemplos: em 1977, foram mortos 250 rebeldes da região de Shaba; no ano seguinte, 700 zairenses em Kolwezi.
Ainda em janeiro de 1993, protestos urbanos em Kinshasa terminaram com mil mortos, entre eles o embaixador da França.
Colapso
A partir do final dos anos 80, o modelo ditatorial começou a entrar em colapso. A corrupção erodia a poupança. O cobre (principal produto de exportação) enfrentava problemas de ineficiência e inexistência de infra-estrutura.
Mobutu desencadeia em 1990 um processo de abertura política que deveria desembocar, agora em 1997, em pluripartidarismo nas eleições presidenciais.
A partir de 1992, a Conferência Nacional (o novo Congresso) afronta o presidente. Chega a destituí-lo. Mobuto não tem dificuldades em se manter no poder. Substitui a Conferência por um Alto Conselho da República, por sua vez dissolvido em 1994.
Com os malogros acumulados pela abertura gradual, fortaleceu-se paulatinamente a tese de uma solução militar. A Aliança das Forças Democráticas para a Libertação do Congo-Zaire, liderada por Laurent-Desiré Kabila, saiu na frente e enfrentou um inimigo abandonado pelos EUA (ajuda cortada no governo Bush) e debilitado pelo câncer na próstata.
O resto é mais recente. Em poucas semanas, a máquina mobutista no Zaire ruiu como um apodrecido castelo de cartas.



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