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O DERROTADO
Presidente acumula fortuna, enquanto a renda per capita do país cai pela metade em menos de sete anos
Após 32 anos, Mobutu deixa um Zaire falido
JOÃO BATISTA NATALI
da Reportagem Local
Embora tradições tribais africanas tolerem
nomes próprios
superlativos,
não é difícil descobrir a índole
mitomaníaca do
presidente do Zaire. Mobutu Sese
Seko Kuku Ngbendu Wa Za Banga
significa "O Galo que Canta Vitória, o Guerreiro que Conquista
Sem Nunca Ser Detido".
Passará para a história africana
por sua longevidade no poder.
Foram quase 32 anos, comparáveis aos de raros governantes
-Kenyatta no Quênia, Ouphouet
da Costa do Marfim, Senghor do
Senegal, Burguiba da Tunísia-,
que, ao contrário dele, no entanto,
traziam como legitimidade política um passado anticolonial.
Deixa um país bem mais miserável. A renda per capita é hoje a metade dos US$ 230 de 1990, por
exemplo. Ingerem-se em média
1.500 calorias por dia, 1.000 a menos que o necessário à nutrição.
Metade das crianças sofre de paludismo; 51% das mortes são por infecções e doenças parasitárias.
Falência do Estado
A carência material, prolongada
e crônica, acabou por institucionalizar a lei do mais esperto e do
mais forte. A imagem mais típica
do mobutismo talvez tenha sido,
nas últimas semanas, milhares de
soldados que montaram centenas
de barreiras nas estradas, para extorquir e molestar sexualmente refugiados e viajantes.
O presidente deposto construiu
poucas escolas ou rodovias. Recebeu para tanto ajuda externa, suspensa em 1991, diante da evidência
de que o dinheiro acabava abastecendo seus cofres pessoais. Eles
hoje acumulariam, segundo alguns, mais de US$ 4 bilhões.
O Estado está falido. O Orçamento do ano passado previa US$
300 milhões para todos os serviços
públicos e US$ 372 milhões de dotação presidencial, destinada sobretudo aos 25 mil soldados de
uma guarda pessoal, os únicos que
ainda recebiam o soldo em dia.
Oficial subalterno
Mobutu, formado em jornalismo na Bélgica, começou sua carreira como oficial subalterno da
Força Pública, nos tempos em que
Bruxelas procurava mesclar as etnias do então Congo Belga nesse
misto de polícia e Exército.
Não era um personagem de primeira linha quando, em 1960, o
país se tornou independente. Ascendeu apoiado por sua tribo, os
gbandi, quando o presidente Joseph Kazavubu e o primeiro-ministro Patrice Lumumba se depararam com uma guerra civil.
Por sua posição estratégica na
África Central, o atual Zaire se tornou o pivô continental dos confrontos Leste-Oeste. Os soviéticos
apoiavam Lumumba, e os belgas e
norte-americanos, a Província separatista de Katanga, governada
por Moises Tchombé.
Não há estimativas precisas sobre quantas dezenas de milhares
de zairenses tenham morrido nesse período, interrompido em 24 de
novembro de 1965, com um golpe
de Estado patrocinado pela CIA
(há hoje farta documentação a respeito) que levou Mobutu ao poder.
Autoritarismo
Foi desde o início um regime autoritário, iniciado com o enforcamento do ex-primeiro-ministro
Evaristo Kimba. A propaganda se
construía segundo a dupla mística
do nacionalismo (os nomes de batismo cristão foram africanizados
em 1972) e da unidade nacional.
O regime nacionalizou as grandes empresas (em 1973) e as pequenas (em 1975). Recuaria em seguida. A legislação suprimiu o tratamento de "senhor". Todos se
chamavam por "cidadão".
Mas, por trás das aparências,
prevalecia um sólido aliado ocidental, que deu amparo logístico à
intervenção norte-americana na
guerra civil de Angola e apoiou, na
África do Sul, os adversários do
partido CNA, do hoje presidente
Nelson Mandela.
O establishment mobutista difundiu a mística de que um de seus
lastros foi paz interna. Não é tampouco verdade. Alguns exemplos:
em 1977, foram mortos 250 rebeldes da região de Shaba; no ano seguinte, 700 zairenses em Kolwezi.
Ainda em janeiro de 1993, protestos urbanos em Kinshasa terminaram com mil mortos, entre eles
o embaixador da França.
Colapso
A partir do final dos anos 80, o
modelo ditatorial começou a entrar em colapso. A corrupção erodia a poupança. O cobre (principal
produto de exportação) enfrentava problemas de ineficiência e inexistência de infra-estrutura.
Mobutu desencadeia em 1990
um processo de abertura política
que deveria desembocar, agora em
1997, em pluripartidarismo nas
eleições presidenciais.
A partir de 1992, a Conferência
Nacional (o novo Congresso)
afronta o presidente. Chega a destituí-lo. Mobuto não tem dificuldades em se manter no poder.
Substitui a Conferência por um
Alto Conselho da República, por
sua vez dissolvido em 1994.
Com os malogros acumulados
pela abertura gradual, fortaleceu-se paulatinamente a tese de
uma solução militar. A Aliança das
Forças Democráticas para a Libertação do Congo-Zaire, liderada
por Laurent-Desiré Kabila, saiu na
frente e enfrentou um inimigo
abandonado pelos EUA (ajuda
cortada no governo Bush) e debilitado pelo câncer na próstata.
O resto é mais recente. Em poucas semanas, a máquina mobutista
no Zaire ruiu como um apodrecido castelo de cartas.
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