São Paulo, sábado, 17 de maio de 1997.



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O REBELDE
Líder da revolta armada contra Mobutu perseguiu refugiados e oscilou entre a política e a vida de guerrilheiro
Ambiguidade marca vida de Laurent Kabila

da Reportagem Local

Laurent-Desiré Kabila, 56 (ou 58, segundo outras biografias), casado e pai de seis filhos, não possui propriamente o currículo de um mocinho obstinado que acabou com a ditadura do bandido.
É um personagem bem mais ambíguo, um produto do cruzamento entre política, guerrilha e conflitos étnicos na África negra, onde as fronteiras herdadas do colonialismo europeu cortam ao meio regiões com homogeneidade linguística e cultural.
Aliado dos tutsis, Kabila, em sete meses de guerra, tomou conta do Zaire, mas também perseguiu refugiados hutus, que pertencem à mesma etnia dos ex-governantes de Ruanda que há três anos exterminaram 800 mil tutsis.
Em Ruanda, o atual homem forte, Paul Kagamé, vice-presidente e chefe das Forças Armadas, é um tutsi que abriu seus arsenais e enviou oficiais para treinar as tropas rebeldes de Kabila. Kagamé foi para tanto aconselhado por Yoweri Museveni, atual presidente de Uganda e, como Kabila, um ex-guerrilheiro maoísta em 1960.
Foi a inimizade pelos hutus que levou outro regime vizinho da região dos Grandes Lagos, o Burundi, a dar apoio logístico aos rebeldes agora vitoriosos.
O mesmo fez a Tanzânia, hostil à diáspora de hutus, sendo igualmente por afinidades tribais que o líder rebelde recebeu o reforço de ex-mercenários que combateram nos anos 60 como separatistas de Katanga (sul do Zaire).
Por ironia do destino, foi justamente como uma liderança de médio escalão que atuava na época no campo político oposto que Kabila se fez notar pela primeira vez.
Em 1965, com Mobutu assumindo plenos poderes, Laurent-Desiré aderiu à rebelião chefiada por Pierre Mulele, ex-ministro da Educação no primeiro governo zairense depois da independência e que tinha como primeiro-ministro Patrice Lumumba. A rebelião foi derrotada com ajuda dos EUA.
Kabila permaneceria um homem na retaguarda dos embates políticos em Kinshasa.
Chefiou com Gaston Soumialot uma rebelião derrotada por mercenários e ocidentais. Conheceu o guerrilheiro cubano, de origem argentina, Ernesto "Che" Guevara, que o qualificaria de pouco preparado e não-confiável.
Em 1992, quando Mobutu, por pressão estrangeira, esboçou um processo de abertura política, ele não estava entre as lideranças urbanas, como o arcebispo Laurent Mosengwo, Etienne Tshisekedi, Leon Kengo wa Dondo ou Charles Deounkin Andel.
Papel periférico
Outro indício de seu papel periférico: quando em 1990 foi extinto o regime de partido único, surgiram sete partidos ou confederações de agremiações de oposição.
Kabila, que em 67 criou o Partido Revolucionário do Povo, não correu o risco da via eleitoral, mesmo se, na época, não mais se definisse como revolucionário marxista.
Se ele permaneceu um personagem politicamente de segundo plano, é inegável que acertou ao considerar que o fim de Mobutu não ocorreria por meio de uma solução negociada.
A via militar estava aberta. Com o desmoronamento do bloco soviético, não seria mais encarada como antiocidental uma rebelião destinada a pôr fim à ditadura de um incondicional partidário do "mundo livre" em solo africano.
A revolta que Kabila chefiou não teve raízes doutrinárias. No ano passado, Mobutu anunciou o reinício das operações de "devolução" de refugiados tutsis aos seus vizinhos orientais.
Entre os ameaçados estavam os tutsis banyamulenges, fixados há dois séculos em terras que hoje correspondem ao Zaire. Embora nascido na região de Shaba (Província mineradora do sul), foi nas montanhas de Mulenge (terra da subetnia) que Kabila criou raízes.
A bola de neve começou a rolar encosta abaixo. Seus 400 mil compatriotas adotivos forneceram o núcleo inicial das tropas rebeldes.
Só em outubro, no entanto, formou-se a Aliança das Forças Democráticas para a Libertação do Congo-Zaire. Dos grupos que a compõem, só dois deles, os liderados por Masaso Minitaga Ndiaka e por Deo Bugera, tinham alguma projeção política nacional.
(JOÃO BATISTA NATALI)



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