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O REBELDE
Líder da revolta armada contra Mobutu perseguiu refugiados e oscilou entre a política e a vida de guerrilheiro
Ambiguidade marca vida de Laurent Kabila
da Reportagem Local
Laurent-Desiré Kabila, 56 (ou
58, segundo outras biografias), casado e pai de seis filhos, não possui
propriamente o currículo de um
mocinho obstinado que acabou
com a ditadura do bandido.
É um personagem bem mais ambíguo, um produto do cruzamento
entre política, guerrilha e conflitos
étnicos na África negra, onde as
fronteiras herdadas do colonialismo europeu cortam ao meio regiões com homogeneidade linguística e cultural.
Aliado dos tutsis, Kabila, em sete
meses de guerra, tomou conta do
Zaire, mas também perseguiu refugiados hutus, que pertencem à
mesma etnia dos ex-governantes
de Ruanda que há três anos exterminaram 800 mil tutsis.
Em Ruanda, o atual homem forte, Paul Kagamé, vice-presidente e
chefe das Forças Armadas, é um
tutsi que abriu seus arsenais e enviou oficiais para treinar as tropas
rebeldes de Kabila. Kagamé foi para tanto aconselhado por Yoweri
Museveni, atual presidente de
Uganda e, como Kabila, um
ex-guerrilheiro maoísta em 1960.
Foi a inimizade pelos hutus que
levou outro regime vizinho da região dos Grandes Lagos, o Burundi, a dar apoio logístico aos rebeldes agora vitoriosos.
O mesmo fez a Tanzânia, hostil à
diáspora de hutus, sendo igualmente por afinidades tribais que o
líder rebelde recebeu o reforço de
ex-mercenários que combateram
nos anos 60 como separatistas de
Katanga (sul do Zaire).
Por ironia do destino, foi justamente como uma liderança de médio escalão que atuava na época no
campo político oposto que Kabila
se fez notar pela primeira vez.
Em 1965, com Mobutu assumindo plenos poderes, Laurent-Desiré
aderiu à rebelião chefiada por
Pierre Mulele, ex-ministro da Educação no primeiro governo zairense depois da independência e que
tinha como primeiro-ministro Patrice Lumumba. A rebelião foi derrotada com ajuda dos EUA.
Kabila permaneceria um homem
na retaguarda dos embates políticos em Kinshasa.
Chefiou com Gaston Soumialot
uma rebelião derrotada por mercenários e ocidentais. Conheceu o
guerrilheiro cubano, de origem argentina, Ernesto "Che" Guevara,
que o qualificaria de pouco preparado e não-confiável.
Em 1992, quando Mobutu, por
pressão estrangeira, esboçou um
processo de abertura política, ele
não estava entre as lideranças urbanas, como o arcebispo Laurent
Mosengwo, Etienne Tshisekedi,
Leon Kengo wa Dondo ou Charles
Deounkin Andel.
Papel periférico
Outro indício de seu papel periférico: quando em 1990 foi extinto
o regime de partido único, surgiram sete partidos ou confederações de agremiações de oposição.
Kabila, que em 67 criou o Partido
Revolucionário do Povo, não correu o risco da via eleitoral, mesmo
se, na época, não mais se definisse
como revolucionário marxista.
Se ele permaneceu um personagem politicamente de segundo
plano, é inegável que acertou ao
considerar que o fim de Mobutu
não ocorreria por meio de uma solução negociada.
A via militar estava aberta. Com
o desmoronamento do bloco soviético, não seria mais encarada
como antiocidental uma rebelião
destinada a pôr fim à ditadura de
um incondicional partidário do
"mundo livre" em solo africano.
A revolta que Kabila chefiou não
teve raízes doutrinárias. No ano
passado, Mobutu anunciou o reinício das operações de "devolução" de refugiados tutsis aos seus
vizinhos orientais.
Entre os ameaçados estavam os
tutsis banyamulenges, fixados há
dois séculos em terras que hoje
correspondem ao Zaire. Embora
nascido na região de Shaba (Província mineradora do sul), foi nas
montanhas de Mulenge (terra da
subetnia) que Kabila criou raízes.
A bola de neve começou a rolar
encosta abaixo. Seus 400 mil compatriotas adotivos forneceram o
núcleo inicial das tropas rebeldes.
Só em outubro, no entanto, formou-se a Aliança das Forças Democráticas para a Libertação do
Congo-Zaire. Dos grupos que a
compõem, só dois deles, os liderados por Masaso Minitaga Ndiaka e
por Deo Bugera, tinham alguma
projeção política nacional.
(JOÃO BATISTA NATALI)
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