São Paulo, sexta-feira, 17 de maio de 2002

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COMENTÁRIO

Arafat virou alvo de escárnio no mundo árabe

ROBERT FISK
DO "THE INDEPENDENT", EM BEIRUTE

O palestino de meia idade estava sentado em seu escritório desarrumado, um pouco mais barrigudo do que era 20 anos antes, quando Beirute estava cercada pelo Exército de Ariel Sharon, mas manifestava o mesmo desdém por Iasser Arafat.
"O que ele achou que estava fazendo, deixando os israelenses mandarem aqueles 13 para o exílio?", esbravejou. "Foi um acordo para deixá-lo sair de Ramallah, nada mais? Será que Arafat não percebeu que foi estabelecido um precedente? Da próxima vez, os israelenses vão querer mandar 30 para o exílio, depois 300..."
Escárnio e desdém estão sendo vistos por toda parte no mundo árabe, quando o assunto é Arafat. Entre os refugiados palestinos no Líbano, no Golfo, no Egito, na Síria. O homem que prometeu (mas não cumpriu) a reforma da Autoridade Nacional Palestina há 18 meses, finalmente, está dizendo que vai honrar essa promessa -mas só após receber ordem nesse sentido de Israel e dos EUA.
No diário saudita "Al Hayat", há uma coluna assinada por Jihad Khazen que cita o próprio segundo em comando de Arafat na OLP, Mahmoud Abbas. Por que, Abbas perguntou, todos os assuntos financeiros da ANP são controlados por um único homem, Arafat? Quando Khazen lembrou a Abbas que Arafat frequentemente afirma que "não vai trocar de cavalo no meio da batalha", Abbas retrucou: "Estamos na batalha há 40 anos. Os cavalos já estão cansados".
De qualquer maneira, são poucos os palestinos fora do miserável micro-Estado de Arafat que têm muito tempo a perder com suas batalhas. Um oficial palestino armado me perguntou, ontem, por que razão a ANP "cedera tão rapidamente" diante da invasão israelense original das cidades da Cisjordânia. "Por que eles não lutaram? Todos os homens que estavam no cerco a Beirute, 20 anos atrás, estão em Gaza, sem poder sair. Não havia ninguém em Ramallah. Eles não destruíram um único tanque. Por que ninguém lutou em Ramallah?"
Escrevendo no diário "An Nahar", de Beirute, Samir Atallah teme que toda essa conversa sobre corrupção e reforma possa ser um cavalo de Tróia criado para retirar Arafat do poder, sem alarde. Depois de todas as provações pelas quais ele já passou com Israel, os Estados Unidos e os Estados árabes, Arafat "agora está cara a cara com sua própria liderança ... A questão agora é entre ele e seu povo".
Muito mais mordaz é o jornal "Al Khaleej", dos Emirados Árabes Unidos, que sugeriu que o objetivo das reformas que estão sendo exigidas por Israel e pelos EUA seria transformar a ANP numa réplica do chamado Exército do Sul do Líbano, o bando de milicianos que atuavam como representantes do exército israelense até a retirada deste do Líbano, dois anos atrás.
Se Arafat foi humilhado diante de seu próprio povo, a culpa é exclusivamente dele. Seus associados e amigos idosos dominam os negócios e a imprensa na Cisjordânia, e, até recentemente, eram sempre os velhos e cansados representantes de Arafat, sempre falando um inglês macarrônico, que compareciam para representar a ANP nos jornais noturnos das televisões via satélite, onde, invariavelmente, passavam uma impressão ruim quando comparados aos porta-vozes de Israel.
Recentemente, Diana Boulou, uma assessora jurídica da ANP, apareceu na CNN, mostrando que é possível os palestinos serem representados por pessoas jovens e inteligentes, que falam inglês com fluência.
"Agora que Arafat está de volta, não vão deixá-la representar os palestinos por muito mais tempo", lamentou um funcionário palestino em Beirute, ontem. "Daqui a pouco, teremos os velhos cansados de volta à televisão." Fazia muito tempo que a popularidade de Arafat não andava tão baixa.
Anos atrás, em 1983, após sua saída do Líbano, Israel avisou aos palestinos que "terroristas" estavam escondendo bombas dentro de melancias. O jornal "As Safir", de Beirute, imediatamente publicou uma charge mostrando Arafat sentado em cima de uma pilha de frutas. A legenda dizia: "O Rei das Melancias". Hoje em dia, ninguém tem vontade nem sequer de fazer piadas sobre Arafat.


Tradução de Clara Allain


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