São Paulo, sábado, 17 de junho de 2006

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Violência reacende em Porto Príncipe

Aumento de ataques, seqüestros e confrontos aumenta temor de que Haiti perca momento favorável após posse de Préval

Para comandante brasileiro das tropas, general Elito, piora não é sistemática, e desarmamento depende de ação do governo haitiano


Eduardo Muñoz-15.jun.2006/Reuters
Com imagens de Jesus, haitianos participam de procissão do Dia do Senhor, celebrado no país anteontem; piora da segurança não chega a nível pré-eleitoral


FABIANO MAISONNAVE
DA REPORTAGEM LOCAL

A posse do presidente René Préval e a transferência da perigosa região de Cité Soleil para os capacetes azuis brasileiros, ocorridas há um mês, não impediram que a capital haitiana voltasse a registrar um aumento do número de ataques contra policiais, de confrontos entre gangues armadas e de seqüestros, segundo a Polícia Nacional Haitiana (PNH), a missão militar brasileira e organizações não-governamentais.
Embora esteja muito longe dos índices de dezembro, quando havia até dez seqüestros diários, o aumento de casos de violência tem gerado o temor de que o Haiti perca o momento favorável criado pela vitória de Préval, em fevereiro -em grande parte, decorrente de sua imensa popularidade nas regiões mais pobres e violentas de Porto Príncipe.
Os episódios mais graves dos últimos dias incluem o assassinato de três policiais, a tentativa de seqüestro de um deputado, na segunda-feira, e a disputa territorial entre gangues na violenta Cité Soleil.
"Esses ataques não foram aleatórios", disse o porta-voz da polícia haitiana, Frantz Leurebours, à agência de notícias Reuters. "A polícia tem sido alvo específico neste aumento de atividades criminais."
Segundo o tenente-coronel Dos Anjos, responsável pela comunicação social da missão brasileira, houve um recrudescimento nas últimas duas semanas, motivado sobretudo pela disputa de pelo menos três gangues na região de Cité Soleil e na vizinha Cité Militaire, também sob responsabilidade do Brasil.
Ele afirma que houve troca de tiros com membros de gangues, mas sem o registro de feridos ou danos militares entre os capacetes azuis.
A avaliação da missão brasileira coincide com a da ONG Médicos Sem Fronteira, que mantém um hospital em Cité Soleil. Para a organização, houve de fato um aumento nos confrontos, mas de forma esporádica e em intensidade bem menor do que a verificada meses atrás.

Sem lua-de-mel
O aumento da disputa entre gangues após uma relativa calma obtida desde fevereiro contraria o clima mais otimista que havia durante a campanha eleitoral, quando vários líderes de gangue haviam prometido abandonar as armas caso Préval vencesse, o que não ocorreu até agora, apesar da posse em 14 de maio. Três dias mais tarde, ocorreu outra outra mudança importante, com a saída das impopulares tropas jordanianas de Cité Soleil, consideradas violentas e hostis à população.
"Havia muita esperança de que, com a chegada do novo governo, esses grupos se desmobilizariam", disse ontem à Folha Félix Ulloa, diretor no Haiti do Instituto Democrático Nacional para Assuntos Internacionais, ONG presidida pela ex-secretária de Estado dos EUA Madeleine Albright. Ulloa citou os recentes confrontos entre gangues, que classificou como delinqüentes comuns. "Mas o governo é recém-formado, é preciso ver como reagirá."
Ele diz, no entanto, que, até agora, não há nenhum sinal público de que um plano de desarmamento esteja em elaboração e cobra da ONU mais transparência sobre o assunto.
Para Ulloa, a posse de Préval e a chegada dos brasileiros a Cité Soleil podem ser desperdiçadas caso não haja um plano imediato e efetivo de desarmamento. "A primeira reação que se esperaria era que a comunidade internacional, por meio da missão das Nações Unidas, fizesse uma proposta séria, avalizada pelo novo governo e por sua capacidade de interlocução com esses grupos", afirmou.
"Definitivamente, com a presença brasileira em Cité Soleil, há mais capacidade de negociação e sobretudo de aceitação, mas não se deve desperdiçar esse capital político deixando passar o tempo. São necessárias medidas concretas rumo ao desarmamento e ao ataque às raízes da violência", disse.

Tarefa do governo
O comandante militar da Minustah (Missão de Estabilização da ONU no Haiti), o general brasileiro José Elito Siqueira, discorda de que haja um aumento sistemático da violência e disse que um plano de desarmamento depende da iniciativa do governo Préval.
"O termo não seria aumento de violência. Houve uma noite ou outra em que teve mais tiros do que o usual. Mas não foram operações ou ações, foram tiros dados por gangues, isso não caracteriza aumento de violência", afirmou Elito à Folha. Segundo ele, esses episódios ocorreram com mais freqüência em Cité Militaire, e não na vizinha Cité Soleil.
O general brasileiro discordou da avaliação da polícia haitiana sobre aumento de seqüestros. "Desde janeiro, tem havido entre e 15 e 20 seqüestros por mês, quando em dezembro houve cerca de 200. Continua assim, nada diferente dos últimos meses."
Sobre o desarmamento, o general Elito disse que o tema "é um projeto de governo, e não uma ação militar". "O desarmamento é uma conseqüência de ações de governo, e nós torcemos para que isso aconteça. Há um momento favorável."


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