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Menem vira armadilha na eleição argentina
Kirchner tentou colar herança do antecessor a adversário na capital
Tática, porém, parece ter falhado; mídia e oponentes lembram que presidente, quando governador, apoiou privatizações dos anos 90
RODRIGO RÖTZSCH
DE BUENOS AIRES
Na tentativa de reverter a
aparentemente irrecuperável
desvantagem de seu candidato,
Daniel Filmus, nas eleições pela prefeitura de Buenos Aires, o
presidente argentino Néstor
Kirchner vem tentando ligar o
favorito Mauricio Macri a um
aparente consenso negativo no
país: os anos 90, a "década maldita", em que o país foi governado por Carlos Menem.
"Estão em jogo dois modelos
de país: o modelo da inclusão
social e o modelo neoliberal dos
anos 90", disse Kirchner no
lançamento da campanha contra Macri, que no primeiro turno derrotou Filmus por 45,62%
a 23,77%.
O governo Menem, no imaginário popular argentino, ganhou a marca de um modelo
privatista, que gerou exclusão
social. A convertibilidade peso-dólar em razão de 1 a 1 também
é muito criticada hoje na Argentina, por ter a longo prazo
aumentado a pobreza e endividado o país. O ex-presidente
tem uma imagem negativa para
cerca de 80% da população, segundo pesquisas recentes.
"Menem é acusado de ter
desmantelado a indústria argentina e acabar com a capacidade produtiva do país. A crise
estourou quando ele já não estava no governo, é certo. Mas o
forte endividamento da Argentina e a cultura de especulação
começaram com ele", explica o
analista político Walter Curia.
A tentativa de Kirchner de ligar Macri a Menem se deve ao
fato de o candidato ser filho do
empresário Franco Macri, um
dos maiores da Argentina e dos
mais beneficiados pelas privatizações no governo Menem.
Ficou, por exemplo, com o correio, cuja concessão Kirchner
cassou em seu governo.
O feitiço de Kirchner, porém,
pode ter se virado com o feiticeiro. Desde que lançou sua
campanha antimenemista contra Macri, vozes da oposição, da
imprensa e o próprio Macri fizeram questão de lembrar as ligações de Kirchner com o menemismo e a "década maldita".
"Eu não sou amigo de Menem, quem trabalhou no governo Menem foram eles [os
kirchneristas]", disse Macri.
É verdade que figuras-chave
do governo Kirchner, como o
chefe-de-gabinete Alberto Fernández, também ocuparam
cargos públicos no governo
Menem. O próprio presidente,
então governador da Província
de Santa Cruz, no sul, era aliado
do hoje senador.
Kirchner, porém, ao mesmo
tempo que pede que os cidadãos de Buenos Aires tenham
"memória" na hora de votar,
prefere que eles se esqueçam
desses detalhes. "O interessante do debate a respeito dos anos
90 é que são dez anos nos quais,
a julgar pelo que se escuta nestes dias, ninguém conduziu o
Estado, a não ser o próprio Menem", comentou o analista político Mariano Pérez de Eulate.
Resultados
Os analistas acreditam que,
ao forçar uma polarização com
um eventual modelo menemista representado por Macri, o
governo buscaria se reaproximar da centro-esquerda, que
teria começado a lhe ficar refratária depois dos recentes incidentes em Santa Cruz, em que
o governo reprimiu fortemente
manifestantes, e das primeiras
denúncias de corrupção atingindo funcionários do Ministério do Planejamento. Além disso, tentariam impedir críticas
de outras vozes da oposição ao
governo, pois o antimenemismo é um consenso entre os
candidatos à Casa Rosada.
A estratégia, porém, parece
não estar surtindo efeito: Filmus não avança nas pesquisas e
os laços de Kirchner com o menemismo são lembrados diariamente nos jornais e revistas.
"Kirchner é mais noventista
que Macri. Apoiou a convertibilidade como nenhum outro e
se beneficiou da privatização
da YPF, pela qual fez lobby",
disse Javier González Fraga, da
campanha de Roberto Lavagna,
candidato a presidente.
A imprensa argentina lembrou de elogios que Kirchner
fez a Menem nos anos 90, entre
eles ao qualificá-lo com um lapidar "melhor presidente de toda a história desde Perón".
O próprio Macri apontou que
existe na internet um vídeo em
que Kirchner elogia Menem
(www.youtube.com/watch?v=lQ9rCuro3NA).
Com o fracasso de sua tática,
Kirchner vem reduzindo nos
últimos dias as referências às ligações entre Macri e Menem.
O único apoio que recebeu
em sua estratégia, ironicamente, foi do próprio Menem. "Macri jamais esteve ligado ao meu
governo, embora sejamos amigos. Somos amigos", disse o ex-presidente. O jornal "La Nación" ironizou o apoio em uma
caricatura em que Menem dava
"um abraço de urso" em Macri.
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