São Paulo, domingo, 17 de junho de 2007

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Menem vira armadilha na eleição argentina

Kirchner tentou colar herança do antecessor a adversário na capital

Tática, porém, parece ter falhado; mídia e oponentes lembram que presidente, quando governador, apoiou privatizações dos anos 90

RODRIGO RÖTZSCH
DE BUENOS AIRES

Na tentativa de reverter a aparentemente irrecuperável desvantagem de seu candidato, Daniel Filmus, nas eleições pela prefeitura de Buenos Aires, o presidente argentino Néstor Kirchner vem tentando ligar o favorito Mauricio Macri a um aparente consenso negativo no país: os anos 90, a "década maldita", em que o país foi governado por Carlos Menem.
"Estão em jogo dois modelos de país: o modelo da inclusão social e o modelo neoliberal dos anos 90", disse Kirchner no lançamento da campanha contra Macri, que no primeiro turno derrotou Filmus por 45,62% a 23,77%.
O governo Menem, no imaginário popular argentino, ganhou a marca de um modelo privatista, que gerou exclusão social. A convertibilidade peso-dólar em razão de 1 a 1 também é muito criticada hoje na Argentina, por ter a longo prazo aumentado a pobreza e endividado o país. O ex-presidente tem uma imagem negativa para cerca de 80% da população, segundo pesquisas recentes.
"Menem é acusado de ter desmantelado a indústria argentina e acabar com a capacidade produtiva do país. A crise estourou quando ele já não estava no governo, é certo. Mas o forte endividamento da Argentina e a cultura de especulação começaram com ele", explica o analista político Walter Curia.
A tentativa de Kirchner de ligar Macri a Menem se deve ao fato de o candidato ser filho do empresário Franco Macri, um dos maiores da Argentina e dos mais beneficiados pelas privatizações no governo Menem. Ficou, por exemplo, com o correio, cuja concessão Kirchner cassou em seu governo.
O feitiço de Kirchner, porém, pode ter se virado com o feiticeiro. Desde que lançou sua campanha antimenemista contra Macri, vozes da oposição, da imprensa e o próprio Macri fizeram questão de lembrar as ligações de Kirchner com o menemismo e a "década maldita".
"Eu não sou amigo de Menem, quem trabalhou no governo Menem foram eles [os kirchneristas]", disse Macri.
É verdade que figuras-chave do governo Kirchner, como o chefe-de-gabinete Alberto Fernández, também ocuparam cargos públicos no governo Menem. O próprio presidente, então governador da Província de Santa Cruz, no sul, era aliado do hoje senador.
Kirchner, porém, ao mesmo tempo que pede que os cidadãos de Buenos Aires tenham "memória" na hora de votar, prefere que eles se esqueçam desses detalhes. "O interessante do debate a respeito dos anos 90 é que são dez anos nos quais, a julgar pelo que se escuta nestes dias, ninguém conduziu o Estado, a não ser o próprio Menem", comentou o analista político Mariano Pérez de Eulate.

Resultados
Os analistas acreditam que, ao forçar uma polarização com um eventual modelo menemista representado por Macri, o governo buscaria se reaproximar da centro-esquerda, que teria começado a lhe ficar refratária depois dos recentes incidentes em Santa Cruz, em que o governo reprimiu fortemente manifestantes, e das primeiras denúncias de corrupção atingindo funcionários do Ministério do Planejamento. Além disso, tentariam impedir críticas de outras vozes da oposição ao governo, pois o antimenemismo é um consenso entre os candidatos à Casa Rosada.
A estratégia, porém, parece não estar surtindo efeito: Filmus não avança nas pesquisas e os laços de Kirchner com o menemismo são lembrados diariamente nos jornais e revistas.
"Kirchner é mais noventista que Macri. Apoiou a convertibilidade como nenhum outro e se beneficiou da privatização da YPF, pela qual fez lobby", disse Javier González Fraga, da campanha de Roberto Lavagna, candidato a presidente.
A imprensa argentina lembrou de elogios que Kirchner fez a Menem nos anos 90, entre eles ao qualificá-lo com um lapidar "melhor presidente de toda a história desde Perón".
O próprio Macri apontou que existe na internet um vídeo em que Kirchner elogia Menem (www.youtube.com/watch?v=lQ9rCuro3NA).
Com o fracasso de sua tática, Kirchner vem reduzindo nos últimos dias as referências às ligações entre Macri e Menem.
O único apoio que recebeu em sua estratégia, ironicamente, foi do próprio Menem. "Macri jamais esteve ligado ao meu governo, embora sejamos amigos. Somos amigos", disse o ex-presidente. O jornal "La Nación" ironizou o apoio em uma caricatura em que Menem dava "um abraço de urso" em Macri.


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