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São Paulo, domingo, 17 de agosto de 2003

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UGANDA

Acusado de matar até 300 mil pessoas, estava em coma em hospital saudita e morreu sem ser julgado por seus crimes

Morre Idi Amin, ditador acusado de genocídio

MICHAEL T. KAUFMAN
DO "THE NEW YORK TIMES", EM JIDDA

Morreu ontem num hospital em Jidda o ditador Idi Amin Dadá, que por oito anos (1971-79) chefiou um reino de terror em Uganda marcado por torturas e mortes em grande escala, além de ter deixado seu país depauperado. Acredita-se que tivesse 80 anos.
Amin morreu no hospital Rei Faiçal, onde estava internado, sobrevivendo com a ajuda de aparelhos, desde o dia 18 do mês passado. Quando foi internado, já se encontrava em coma e apresentava alta pressão sanguínea. Mais tarde, segundo os médicos, sofreu insuficiência renal.
Durante boa parte dos anos 1970 o robusto, sádico e telegênico déspota chamou a atenção do mundo, ostentando seus poderes tirânicos, atirando insultos bizarros contra líderes mundiais e encenando manifestações pomposas de majestade.
Num contraste marcante com essa fase, seus últimos 24 anos de vida foram passados em isolamento forçado na Arábia Saudita, onde as autoridades fizeram questão de que vivesse discretamente depois que, acompanhado de suas quatro esposas e mais de 30 filhos, ele fugiu de Uganda pouco antes da chegada da força invasora de tropas tanzanianas e exilados ugandenses que derrubou seu regime. Convertido ao islamismo, Amin fugiu primeiro para a Líbia e depois para o Iraque, antes de encontrar pouso seguro na Arábia Saudita, em 1979.
Ele era visto no país de vez em quando por estrangeiros, sem falar com ninguém.
Na época de sua fuga, a devastação que provocara em seu país já estava plenamente exposta no que restou de Uganda, um país fértil e rico que Winston Churchill chegou a descrever como a pérola da África. Embora o número exato dos mortos sob suas ordens ainda seja uma incógnita, a cifra contabilizada por exilados e grupos internacionais de direitos humanos chega a quase 300 mil vítimas, numa população total de 12 milhões de habitantes.
Os massacrados eram, em sua maioria, pessoas anônimas -agricultores, estudantes, comerciantes e outros que foram mortos a tiros ou obrigados a matar-se uns aos outros a cacetadas, forçados pelos integrantes de três esquadrões da morte, dois dos quais eram conhecidos pelos nomes enganosos e assustadores de Unidade de Segurança Pública e Burô de Pesquisas do Estado. Ao lado do terceiro órgão de terror, a polícia militar, essas forças, cujo contingente total chegava a 18 mil homens em sua maioria recrutados da região natal de Amin, frequentemente escolhiam suas vítimas por quererem seu dinheiro, seus carros, suas casas ou suas mulheres. Ou, então, por serem inimigos dos grupos tribais aos quais elas pertenciam.
Mas centenas de mortos também eram pessoas muito conhecidas, homens e mulheres de destaque cujas mortes eram assuntos públicos, realizadas de maneiras que visavam justamente chamar a atenção pública, aterrorizar os vivos e transmitir a todos a mensagem que era de fato Idi Amin que os queria mortos. Entre eles havia ministros de gabinete antigos ou em exercício, juízes da Suprema Corte, diplomatas, reitores de universidades, pedagogos, membros importantes do clero anglicano e católico, diretores de hospitais, cirurgiões, banqueiros, líderes tribais e empresários. Além de ugandenses, os mortos também incluíam alguns estrangeiros, entre eles Dora Bloch, uma israelense de 73 anos que foi arrancada de um hospital em Campala e morta, em 1976, depois que comandos israelenses desembarcaram no aeroporto de Entebe para resgatar cem outros israelenses que tinham sido feito reféns, juntamente com ela, após o sequestro de um avião da Air France por terroristas palestinos e alemães.
Antes da matança chegar ao auge, Amin já ganhara fama internacional por exercer um governo impulsivo e draconiano em função da expulsão do país, em 1972, de 40 mil descendentes de asiáticos residentes em Uganda. Essas pessoas, em sua maioria descendentes de terceira geração de trabalhadores levados pelos britânicos do subcontinente indiano para construir uma ferrovia em Uganda, desempenhavam papel dominante na economia do país.
"Se não partirem, vão se ver sentados em cima de fogo", avisou Amin, fixando um prazo limite de três meses dentro do qual o Reino Unido seria obrigado a aceitar os asiáticos ugandenses. Eles fugiram do país, deixando para trás suas empresas, casas e bens pessoais, que foram divididos entre os favoritos do regime.
À medida que as notícias sobre o horror e o sofrimento crescentes foram chegando ao resto do mundo, Idi Amin começou a responder em termos que aumentaram ainda mais o ultraje. Usando as insígnias de pára-quedista israelense que ganhara num curso de treinamento militar feito em Tel Aviv, ele declarou que Hitler tivera razão em matar 6 milhões de judeus. Amin chamou o presidente zambiano Kenneth Kaunda de ""fantoche imperialista e lambedor de botas", descreveu o ex-secretário de Estado norte-americano Henry Kissinger como ""espião e assassino" e disse que esperava que a rainha Elizabeth 2ª lhe enviasse ""suas calcinhas de 25 anos de idade" para comemorar o 25º aniversário de sua coroação.
Em outros comentários, ele se ofereceu para tornar-se rei da Escócia e liderar seus súditos celtas para ganhar a independência do Reino Unido. E obrigou habitantes brancos de Campala a carregá-lo num trono e ajoelhar-se.
A brutalidade escandalosa, associada ao comportamento aparentemente errático do ditador e aos insultos calculados que ele atirava à sua volta, suscitaram aversão a Idi Amin, mas também fascínio por sua figura, não apenas em Uganda mas fora do país. Alguns nacionalistas africanos aplaudiram abertamente a expulsão dos asiáticos e os insultos que ele lançava contra europeus. Líderes árabes radicais, tendo à sua frente o líbio Muammar al Gaddafi, buscaram aliar-se a Amin, e a União Soviética fez o mesmo por algum tempo. Outros, porém, questionaram sua sanidade.
Seu pai era agricultor da pequena tribo kakwa, e sua mãe era da tribo lugbara. Pouco após seu nascimento, seus pais se separaram e sua mãe o levou para viver em assentamentos núbios em cidades de Uganda.
Em 1946 Idi Amin entrou para o regimento dos Rifles Africanos do Rei, como assistente de cozinheiro. Anos mais tarde, conferiu a si mesmo a patente de marechal-de-campo e cobriu seu peito maciço de medalhas Com mais de 1,90 metro de altura e constituição forte, Amin atraiu a atenção dos comandantes britânicos como tipo físico impressionante que poderia transmitir e impor ordens -um ideal sargento colonial.
Ele praticava boxe, e durante nove anos foi o campeão dos pesos pesados de Uganda.
Depois que Amin se nomeou presidente vitalício, outro de seus antigos comandantes, o major Iain Grahame, o caracterizou como ""uma pessoa incrível que certamente não é louca -muito astuto, arguto, um líder nato."
Houve poucos pontos negativos em seu registro militar. Um deles foi que ele foi acusado de não se tratar de uma doença venérea. Pode ter sido essa a base das alegações não comprovadas de que seu comportamento errático refletiria a degeneração mental decorrente de uma sífilis.
Dentro do país o povo dançava e brindava seu novo líder. No exterior, Amin também foi aplaudido. À luz dos planos anunciados pelo deposto Milton Obote de nacionalizar as propriedades britânicas no país, a reação de Londres à tomada do poder por Amin foi favorável. Israel, que tinha grandes projetos de construção em Uganda e também tinha colaborado estreitamente com Amin, também achou que iria se beneficiar com a troca de poder.
Em 1976, um avião da Air France que ia de Tel Aviv a Paris foi sequestrado por terroristas palestinos e alemães e depois levado ao aeroporto de Entebe, perto de Campala. Comandos de Israel atacaram o aeroporto, libertaram os 102 reféns e mataram os terroristas, numa das maiores humilhações sofridas pelo ditador.


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