São Paulo, domingo, 17 de agosto de 2008

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Cocaleiros acusam Usaid de financiar opositores

Morales apoiou expulsão de agência; droga vem ao Brasil

DA ENVIADA À REGIÃO DO CHAPARE

"Somos território livre de ingerência estrangeira", comemora Humberto Puma, porta-voz do sindicato cocaleiro da Vila 14 de Setembro, na exuberante região do Chapare, no centro da Bolívia.
Puma contava a expulsão, executada por ele e colegas produtores de coca, dos representantes da Usaid, a agência de fomento dos EUA, em junho. "Ocupamos o prédio e eles tiveram de sair do Chapare."
Referendados pelo presidente Evo Morales, os sindicalistas acusaram os americanos de financiarem ações dos opositores na região, parte do departamento de Cochambamba. A representação americana nega.
A Usaid investia em projetos de substituição da coca por cultivos alternativos, assim como o governo. Mas os cocaleiros dizem que se negavam à substituição total da folha, como queria a agência americana, uma vez que a coca tem mercado garantido, legal ou ilegal.
A expulsão pode custar à Bolívia a renovação dos convênios de cooperação com os EUA, do dinheiro de combate ao narcotráfico propriamente -já em queda e estimado em US$ 25 milhões neste ano- ao mais defendido por empresários, o ATPDEA, que dá vantagens a produtos do país no cobiçado mercado americano.
Na semana que passou, David T. Johnson, secretário-assistente no Birô para Questões Internacionais de Narcotráfico e Policiamento do Departamento de Estado americano, reclamou da expulsão da Usaid e disse que era um assunto a ser decidido pelos dois governos, e não pelas entidades cocaleiras.
Mas é difícil separar o que é governo e interesses de grupo. Morales acumula as funções de presidente da República e presidente das confederações cocaleiras do Chapare, cargo para o qual foi reeleito em julho.
No final de semana passado, Morales foi ao Chapare fazer seu último ato de campanha -entregar um cheque venezuelano de US$ 210 mil para uma fábrica de industrialização de coca que deve ficar pronta em 2009. No domingo, votou no referendo que lhe confirmou no cargo, com aprovação de 67,4%. O vilarejo chaparenho de Vila 14 de Setembro parou para esperar o presidente e o seguiu pelas ruas lançando confetes.
A dedicação de Morales ao Chapare funciona eleitoralmente na região e como apelo à imprensa estrangeira, mas o efeito sobre o público interno geral, inclusive sobre seus simpatizantes, não é unânime. Há queixas em La Paz, região onde tem forte respaldo, de que o sindicalista não aprendeu a falar para "todos os bolivianos".

Nacionalização e Brasil
Em meio à incerteza e às diferenças quanto à ajuda externa americana, o governo Morales diz que vai aumentar a verba própria para a luta antidrogas, o que define como "nacionalizar" essa política. Hoje os programas são pagos com ajuda dos EUA e da União Européia.
Num Estado pobre e com outras urgências, caso falhe a ajuda externa e não venha o aporte do governo, o principal efeito de um eventual aumento da cocaína boliviana deve ser sentido no Brasil. Segundo a polícia do país andino, ao menos 85% da droga produzida vem para o mercado nacional.
De acordo com a ONU, 30% das cerca de cem toneladas métricas de cocaína produzidas pela Bolívia vem do Chapare. Questionado sobre os plantios dedicados à droga na região, Humberto Puma não nega e rebate: "Isso não vai mudar enquanto os países desenvolvidos não combaterem o consumo e o tráfico. Só assim o agricultor não vai ter para quem vender". (FLÁVIA MARREIRO)


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