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Holanda vai à luta contra "coffee shops"
Repressão a bares que vendem maconha é dos poucos pontos em comum entre os partidos da nova coalizão
Para especialista, ideia
reflete visão crescente de que tolerância não controlou males ligados a drogas e prostituição
STANLEY PIGNAL
DO "FINANCIAL TIMES", EM AMSTERDÃ
Cafés que vendem maconha legalmente são presença
nas ruas de Amsterdã há
mais de 30 anos, tanto como
ímã para turistas como símbolo da variedade holandesa
de excepcionalidade liberal.
Mas a névoa de fumaça
aromática encontrada nos
cerca de 200 estabelecimentos desse tipo da cidade pode
ser dispersa com os planos
do novo governo, que pretende reverter a chamada "política de tolerância" que permite a operação das "coffee
shops" da cidade desde 1976.
Coincidindo com o endurecimento das leis relativas à
prostituição, outra atividade
tolerada, a nova postura em
relação à maconha suscita a
pergunta se a Holanda está
se afastando de suas tradições de laissez-faire.
A perspectiva das coffee
shops é sombria, disso não
há dúvida. Entre as poucas
políticas sobre as quais há
consenso entre os três partidos da nova coalizão, está a
necessidade de reduzir as
coffee shops, ou aboli-las.
"É um ataque frontal", diz
Gerritt Jan 10 Bloemendal, vice-presidente da Plataforma
da Cannabis da Holanda,
grupo que se opõe à ideia.
A repressão faz parte de
uma campanha de fomento
da lei e da ordem promovida
especialmente por Geert Wilders, político incendiário anti-islã cujo partido de extrema direita, o Partido pela Liberdade (PVV), foi o de maior
avanço nas eleições.
Embora o PVV não seja
parte da coalizão que vai assumir o poder, ajudou a redigir partes do programa.
"Se as reformas forem implementadas, isso certamente vai impactar nossos negócios", diz Maciej Truszkowski, dono da coffee shop Seville, uma casa pequena e mal
iluminada situada ao lado de
um dos canais de Amsterdã.
Em obediência às normas
rígidas relativas à publicidade, o estabelecimento não
exibe qualquer sinal de que
vende maconha. Mas os vários retratos de Bob Marley
dão um indicativo de qual é
seu negócio principal.
Em um dia de semana recente, na hora do almoço,
dois holandeses estavam no
local. Mas a maior parte da
clientela era de estudantes
ingleses e americanos.
Truszkowski argumenta
que, se ele não puder mais
vender maconha a estrangeiros, outras pessoas o farão.
CRIMINALIDADE
Para Paul Schnabel, diretor do Escritório de Planejamento Social e Cultural, um
conselho que presta assessoria ao governo, a iniciativa
reflete a visão crescente de
que as políticas de tolerância
não alcançaram a meta de
controlar males associados
às drogas e à prostituição.
"Há na sociedade holandesa uma tendência forte a
controlar as coisas, permitindo que existam. Buscamos
saídas melhores a problemas
que sabemos que existem."
A equação que levou à tolerância mudou à medida em
que a criminalidade tornou-se mais visível. Em especial,
a ausência de meios legais
para as coffee shops comprarem a maconha chamou a
atenção para os vínculos
com o crime organizado.
Mas os próprios instintos
lenientes que ajudaram a fomentar as políticas de tolerância também são questionados. E não é apenas a extrema direita que está fazendo oposição às coffee shops.
Os partidos tradicionais do
poder da centro-direita, como os cristãos-democratas e
o partido liberal VVD, também passaram a opor-se às
políticas de tolerância que
promoveram no passado.
"Nos últimos anos vem
ocorrendo uma moralização
indiscutível do Estado", diz
André Krouwel, cientista político da Universidade Livre,
em Amsterdã. "O consenso
liberal que ajudou a criar essas políticas não existe mais.
O pragmatismo foi substituído por uma política moralista, de uma maneira que remete ao que aconteceu nos
Estados Unidos com a "maioria moral" nos anos 1980."
Enquanto isso, os proprietários de coffee shops esperam que as autoridades locais levem adiante as políticas de tolerância, mesmo
diante das pressões do governo central, ou que qualquer
possível nova lei seja revogada por um governo mais liberal antes de ser implementada. Mas ao menos uma redução dramática no número de
lojas é vista como inevitável.
Tradução de CLARA ALLAIN
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