São Paulo, domingo, 17 de outubro de 2010

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Holanda vai à luta contra "coffee shops"

Repressão a bares que vendem maconha é dos poucos pontos em comum entre os partidos da nova coalizão

Para especialista, ideia reflete visão crescente de que tolerância não controlou males ligados a drogas e prostituição

STANLEY PIGNAL
DO "FINANCIAL TIMES", EM AMSTERDÃ

Cafés que vendem maconha legalmente são presença nas ruas de Amsterdã há mais de 30 anos, tanto como ímã para turistas como símbolo da variedade holandesa de excepcionalidade liberal.
Mas a névoa de fumaça aromática encontrada nos cerca de 200 estabelecimentos desse tipo da cidade pode ser dispersa com os planos do novo governo, que pretende reverter a chamada "política de tolerância" que permite a operação das "coffee shops" da cidade desde 1976.
Coincidindo com o endurecimento das leis relativas à prostituição, outra atividade tolerada, a nova postura em relação à maconha suscita a pergunta se a Holanda está se afastando de suas tradições de laissez-faire.
A perspectiva das coffee shops é sombria, disso não há dúvida. Entre as poucas políticas sobre as quais há consenso entre os três partidos da nova coalizão, está a necessidade de reduzir as coffee shops, ou aboli-las.
"É um ataque frontal", diz Gerritt Jan 10 Bloemendal, vice-presidente da Plataforma da Cannabis da Holanda, grupo que se opõe à ideia.
A repressão faz parte de uma campanha de fomento da lei e da ordem promovida especialmente por Geert Wilders, político incendiário anti-islã cujo partido de extrema direita, o Partido pela Liberdade (PVV), foi o de maior avanço nas eleições.
Embora o PVV não seja parte da coalizão que vai assumir o poder, ajudou a redigir partes do programa.
"Se as reformas forem implementadas, isso certamente vai impactar nossos negócios", diz Maciej Truszkowski, dono da coffee shop Seville, uma casa pequena e mal iluminada situada ao lado de um dos canais de Amsterdã.
Em obediência às normas rígidas relativas à publicidade, o estabelecimento não exibe qualquer sinal de que vende maconha. Mas os vários retratos de Bob Marley dão um indicativo de qual é seu negócio principal.
Em um dia de semana recente, na hora do almoço, dois holandeses estavam no local. Mas a maior parte da clientela era de estudantes ingleses e americanos.
Truszkowski argumenta que, se ele não puder mais vender maconha a estrangeiros, outras pessoas o farão.

CRIMINALIDADE
Para Paul Schnabel, diretor do Escritório de Planejamento Social e Cultural, um conselho que presta assessoria ao governo, a iniciativa reflete a visão crescente de que as políticas de tolerância não alcançaram a meta de controlar males associados às drogas e à prostituição.
"Há na sociedade holandesa uma tendência forte a controlar as coisas, permitindo que existam. Buscamos saídas melhores a problemas que sabemos que existem."
A equação que levou à tolerância mudou à medida em que a criminalidade tornou-se mais visível. Em especial, a ausência de meios legais para as coffee shops comprarem a maconha chamou a atenção para os vínculos com o crime organizado.
Mas os próprios instintos lenientes que ajudaram a fomentar as políticas de tolerância também são questionados. E não é apenas a extrema direita que está fazendo oposição às coffee shops.
Os partidos tradicionais do poder da centro-direita, como os cristãos-democratas e o partido liberal VVD, também passaram a opor-se às políticas de tolerância que promoveram no passado.
"Nos últimos anos vem ocorrendo uma moralização indiscutível do Estado", diz André Krouwel, cientista político da Universidade Livre, em Amsterdã. "O consenso liberal que ajudou a criar essas políticas não existe mais.
O pragmatismo foi substituído por uma política moralista, de uma maneira que remete ao que aconteceu nos Estados Unidos com a "maioria moral" nos anos 1980."
Enquanto isso, os proprietários de coffee shops esperam que as autoridades locais levem adiante as políticas de tolerância, mesmo diante das pressões do governo central, ou que qualquer possível nova lei seja revogada por um governo mais liberal antes de ser implementada. Mas ao menos uma redução dramática no número de lojas é vista como inevitável.


Tradução de CLARA ALLAIN


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