São Paulo, sábado, 17 de outubro de 1998

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Prêmio influencia acordo, diz estudioso

de Londres

A premiação do primeiro-ministro da Irlanda do Norte, David Trimple, e do líder do Partido Social Democrata e Trabalhista, John Hume, para o Nobel da paz deste ano já era esperada por muitos especialistas. Os dois são considerados figuras representativas dos dois lados da comunidade dividida da Irlanda do Norte: os protestantes e os católicos. Uniram suas imagens ainda na época em que o referendo sobre o acordo de paz estava nas ruas e agora enfrentam o desafio de levar o processo adiante, segundo os estudiosos. O Nobel chega como uma pequena contribuição psicológica para eles concluírem o trabalho e superarem sua fase mais difícil, diz Paul Bew, 48, doutor em política pela Queen's University, em Belfast -a mesma universidade onde estudou David Trimble-, e autor de vários livros sobre os conflitos na Irlanda do Norte, o mais relevantes deles "'Between War and Peace" (Entre a Guerra e a Paz). Ainda que haja a participação de outras figuras políticas de destaque na assinatura do acordo, como o próprio premiê britânico Tony Blair, o ex-primeiro-ministro John Mayor e a secretária de Estado da Irlanda do Norte, Mo Mowlam, os dois premiados concentram os maiores esforços nas negociações. Sem dúvida, diz Bew, ambos têm sofrido enorme pressão psicológica e precisam manter ao redor de si a confiança das pessoas que trabalham pelo mesmo motivo. O maior e único entrave à continuidade do processo, explica o especialista, é o desarmamento dos grupos paramilitares, ainda não negociado. O Sinn Fein, braço político do IRA (Exército Republicano Irlandês), nas últimas semanas, endureceu o discurso, pedindo um assento no executivo antes de ser anunciado o desarmamento. O governo da Irlanda do Norte não cede. São provas de que os sinais de paz não são tão claros assim, dizem os críticos da indicação do prêmio Nobel. "'Há muito a ser feito. E ninguém sabe a fórmula", diz Bew. Leia abaixo os principais trechos da entrevista.

Folha - O prêmio Nobel da paz terá alguma influência prática no desenrolar do processo de paz? Paul Bew - Uma pequena influência. É preciso compreender que as premiações não foram nenhuma surpresa. Vêm fortalecer as relações das pessoas que trabalham com eles pelo processo de paz. Eles (John Hume e David Trimple) têm sofrido uma imensa pressão psicológica desde a assinatura do acordo e ainda há importantes e difíceis pontos para a implementação do acordo a serem resolvidos. Acho que o prêmio chega como um apoio a mais, já que, há instantes na política em que eles se questionam, ainda que acreditem estar agindo corretamente. Folha - Entre esses importantes problemas a serem atacados está o do desarmamento.
Bew -
Esse é o grande e único problema.
Folha - E esse impasse tem sido justamente o ponto-fraco que permite aos críticos afirmarem que ainda não há paz na Irlanda do Norte.
Bew -
Há paz, a questão é entrar na próxima etapa do processo de paz, o que terá que acontecer nas próximas semanas ou nos próximos meses, e inclui a participação do Sinn Fein (partido que representa o IRA) no poder. A princípio, Trimple concorda. Mas ele defende a idéia de que as negociações devem seguir adiante sem mais ameaças ao público, o que só poderia ser garantido se o Sinn Fein demonstrar vontade e, de fato, destruir parte do pesado armamento que eles possuem para ações terroristas. Seria uma demonstração de boa-fé e uma prova definitiva de que a guerra realmente acabou para sempre. Esse é o problema. Sinn Fein diz que o acordo não exige isso deles. Afirma que, de qualquer forma, ele (Gerry Adams) não tem poderes para convencer os militantes a abrir mão das armas. É uma dificuldade grande e ninguém tem a resposta para esse impasse.
Folha - Seria mais fácil resolver o impasse se o Sinn Fein já tivesse voz no governo?
Bew -
Há caminhos para solucionar o atual impasse. No momento, a exigência é que as armas sejam entregues primeiro. Deve haver atalhos nessa negociação, mas ninguém ainda os conhece ou sabe como eles aparecerão.
Folha - O senhor diria que esse é outro prêmio Nobel da paz concedido a militantes de processos inacabados?
Bew -
Esse processo de paz poderia até desandar, mas já se realizou muito progresso em diferentes campos. Avançamos 70% da estrada para encontrarmos a total satisfação. Ainda faltam 30%, de trechos difíceis. O recebimento desse prêmio não vai resolver esses problemas, de forma alguma, a não ser pelo segurança que traz para as partes envolvidas de que o trabalho está sendo reconhecido e que vale a pena seguir adiante.




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