São Paulo, domingo, 17 de novembro de 2002

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GEOPOLÍTICA

Reunião em Praga inicia reformas para adaptar aliança às novas ameaças globais e à agressividade diplomática dos EUA

Otan busca resolver sua crise de identidade

MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO

Classificada de irrelevante após os atentados de 11 de setembro de 2001 e imobilizada por conta de uma crise de identidade, a Otan buscará, em 21 e 22 de novembro, em Praga, na República Tcheca, reformar-se para adaptar seus quadros às novas ameaças geopolíticas globais e à agressividade diplomática dos EUA, o mais influente de seus 19 membros.
A aliança militar ocidental, que já conta com a Polônia, a República Tcheca e a Hungria, deverá acolher em seu seio mais sete países do Leste Europeu: a Romênia, a Bulgária, a Eslovênia, a Eslováquia, a Estônia, a Letônia e a Lituânia, chegando a 26 Estados. Embora devam ser convidados agora, esses países passarão por um período de adaptação e só se tornarão membros em 2004.
Ademais, George Robertson, secretário-geral da Otan, irá reiterar a proposta de criação de uma força de reação rápida, de 21 mil homens, que seria capaz de agir ao lado dos EUA em todo o planeta, tese defendida por Washington desde a última década.
Todavia, de acordo com especialistas consultados pela Folha, se não for bem-sucedida em seus esforços de modernização, a aliança correrá o sério risco de tornar-se um órgão de discussão política estéril -útil para integrar ex-membros do bloco comunista, é verdade, porém ineficaz no contexto geoestratégico atual. A Rússia já é parceira estratégica da aliança, e a China abriu negociações na última quinta-feira.
"Com o fim da URSS, a Otan teve seu papel político fortalecido em detrimento do aspecto militar. No entanto, percebendo que, ante as novas ameaças que pesam sobre o mundo, como o terrorismo e a proliferação de armas, ela poderia tornar-se ineficiente, Robertson decidiu lançar um projeto de reformas. Este poderá dar novo alento à aliança", afirmou Joseph Nye, reitor da Kennedy School of Government, da Universidade Harvard (EUA).
Com efeito, além da nova expansão da Otan para o Leste Europeu, o principal ponto da Cúpula de Praga será a criação de sua força de reação rápida. Contudo, no que se refere a esse aspecto, também não faltam divergências.
Estas opõem sobretudo a França -e, em menor escala, a Alemanha- aos EUA e a seu maior aliado europeu, o Reino Unido, e envolvem a criação da força de reação rápida da União Européia.
"Tony Blair [premiê britânico" quer que a força militar européia complemente o aparato bélico da Otan. Ele teme que uma coincida em parte com a outra e que a situação fique bloqueada. Há ainda a questão do financiamento da força européia, que ainda não foi resolvida", explicou Christian Lequesne, especialista em UE do Centro de Estudos e de Pesquisas Internacionais (Paris).
De fato, para que sua força pudesse ser eficaz, os países da UE teriam de elevar significativamente seus gastos militares, o que é preconizado tanto por Washington quanto por Londres. As despesas militares do bloco correspondem a cerca de 2% de seu PIB (total de riquezas). Desconsiderando a China, os EUA despendem mais nessa área que os outros 12 países que mais gastam.
Uma coisa é certa: não há espaço na cena internacional para as duas estruturas militares caso elas não sejam complementares. Isso poderá também dificultar a criação da força da UE, pois Robertson já declarou que a da Otan poderia tornar-se funcional antes do planejado -em meados de 2003.
O aspecto militar ofensivo da Otan vem sendo esvaziado desde a ofensiva em Kosovo, ocorrida em 1999. A maior prova disso foi a campanha militar no Afeganistão. Nela, embora os aliados tenham acionado a cláusula de defesa mútua da aliança, Washington preferiu formar uma coalizão com parceiros específicos. Se houver um ataque ao Iraque, ela também não deverá ser utilizada.
"Em Kosovo, Washington percebeu que, em caso de crise, a estrutura decisória da Otan se torna um entrave. Cada etapa tinha de ser debatida com os outros membros da aliança, havendo a obrigação jurídica de que a resolução final fosse consensual", analisou Bruno Tertrais, da Fundação para a Pesquisa Estratégica (Paris).
Com a expansão, essa situação não deverá deteriorar-se, já que os futuros membros, mais que a França, por exemplo, tenderão a alinhar-se aos EUA (o fantasma russo ainda assombra). Todavia, se, em Praga, o consenso não deixar de ser obrigatório, a Otan não resolverá sua crise de identidade.


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