São Paulo, sexta-feira, 17 de novembro de 2006

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Crescimento torna Morales pragmático

Boliviano se aproxima da Argentina, do Chile e dos EUA e mantém o país na Comunidade Andina, da qual Venezuela saiu

Receita da Bolívia com energia aumenta e acordo com FMI reduz dívida; país deve ter superávit pela primeira vez em 3 décadas

David Mercado/Reuters
Evo Morales se beneficia de aumento das receitas do Estado


RICHARD LAPPER
HAL WEITZMAN
DO "FINANCIAL TIMES", EM LA PAZ

Os pacientes começam a chegar ao hospital de Chacaltaya às 3h30min. Quando os médicos chegam, às 8h, a longa fila de espera se estende por toda a praça German Busch, em Alto Lima, a parte mais pobre de El Alto, cidade de 850 mil habitantes localizada acima de La Paz.
O hospital Chacaltaya é a primeira organização médica no país mais pobre da América do Sul a tratar pacientes gratuitamente, e sua equipe é composta por alguns dos 1.200 médicos enviados ao país por Cuba.
O hospital, que quase todo mundo acredita seja financiado pela Venezuela, coloca em destaque o relacionamento que o presidente boliviano Evo Morales construiu com seus aliados em Caracas e Havana. Mas, nos últimos meses, La Paz parece estar procurando uma maior independência em relação à Venezuela e a Cuba.
Morales, cujos cofres estão repletos de receita fornecida pelo setor de energia, mostrou sinais de que deseja se aproximar dos regimes mais moderados, como os Brasil e da Argentina, e de procurar reconciliação com velhos inimigos, o Chile e os Estados Unidos.
Em parte alguma a mudança é mais clara do que no setor de energia boliviano. No começo de maio, Morales anunciou a nacionalização do setor de gás natural. Mas, depois de meses de negociações, a Bolívia optou por um acordo mais pragmático com dez empresas estrangeiras, entre as quais a Petrobras e a francesa Total.
Oficialmente, a YPFB, estatal boliviana de energia, assumiu a propriedade dos campos de gás, e também supervisionará o processamento e embarque do produto. As empresas estrangeiras continuarão operando no país mas, sob os novos contratos, pagarão até 82% de suas receitas ao governo, na forma de royalties e impostos.
Na prática, porém, o acordo permite que os parceiros estrangeiros descontem das quantias que devem pagar ao governo a depreciação do capital investido. Se um aumento nos preços e na produção de gás natural for levado em conta, as empresas estarão se saindo melhor do que no passado.
Morales também optou por manter a Bolívia entre os membros da Comunidade Andina, que a Venezuela abandonou no começo do ano. As expectativas de que interesses venezuelanos poderiam adquirir o direito de exploração da concessão de minério de ferro de El Mutún, no sudoeste do país, desapareceram em junho, quando o governo chegou a um acordo com a Jindal, siderúrgica indiana.

Receita
Ao mesmo tempo, Morales aprofundou suas relações com a Argentina, tendo assinado um acordo de longo prazo para fornecer gás ao vizinho meridional. Há negociações em curso com o Chile, inimigo histórico dos bolivianos, para a venda de energia elétrica. A Bolívia se aproximou dos EUA, oferecendo cooperação para a erradicação da coca.
Uma das razões para a mudança é que a força da economia boliviana dá a Morales mais espaço de manobra. As receitas auferidas com o aumento dos preços e dos impostos do gás, em 2005, significam que a situação de caixa do governo deixou de ser precária. O pagamento das dívidas do país, que deve crescer mais de 5% neste ano, foi reduzido com um acordo com o Banco Mundial e com o Fundo Monetário Internacional para o perdão de parte do saldo devedor boliviano.
O déficit fiscal, que atingiu um pico de 8,8% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2002, caiu a 1,6% do PIB no ano passado, e a Bolívia neste ano está a caminho de registrar um superávit fiscal pela primeira vez em três décadas. Os pacientes do hospital de Chacaltaya talvez tenham motivo para agradecer pelo radicalismo de Morales, mas ele está se provando mais pragmático do que parecia há apenas seis meses.


TRADUÇÃO DE PAULO MIGLIACCI


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