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ANÁLISE
Fosso sobre Irã é profundo, e a tendência é que cresça
A despeito de, na retórica oficial, Brasil e EUA negarem rusgas, divergências entre os países sobre o programa nuclear iraniano devem aumentar em 2010
CLAUDIA ANTUNES
DA SUCURSAL DO RIO
Oficialmente, Brasil e Estados Unidos negam que a visita
do iraniano Mahmoud Ahmadinejad tenha provocado tensão na relação bilateral. Mas é
evidente a distância entre os
dois países nesse tema.
Do lado dos EUA, o fosso aumenta porque a posição da Casa Branca mudou desde que Barack Obama, após a posse, reafirmou que abriria diálogo direto com Teerã.
A reversão segue tendência
de ajuste de seu governo aos padrões convencionais da política
externa do país, mas teve três
causas específicas.
A repressão pós-eleitoral no
Irã levou muitos apoiadores do
diálogo a recuar, argumentando que ele fortaleceria Ahmadinejad. A ideia de negociações
amplas, em que os EUA ofereceriam a Teerã garantias de segurança, foi abandonada. O
Congresso já discute novas
sanções unilaterais.
Em segundo lugar, a baixa legitimidade de Ahmadinejad dificulta acordo específico sobre
a questão nuclear, uma vez que
a oposição interna também
apoia o programa de enriquecimento de urânio, cuja suspensão é exigida por resoluções do
Conselho de Segurança da
ONU.
Finalmente, há o impasse israelense-palestino, com as hesitações da Casa Branca em relação ao governo de Binyamin
Netanyahu anulando os efeitos
do discurso do Cairo, em que
Obama se apresentou como
mediador imparcial.
A falta de avanços aumentou
o espaço dos setores que, nos
EUA, advogam apoio incondicional a Israel, cuja prioridade é
impedir que o Irã chegue perto
de afetar sua vantagem estratégica na região.
Do lado brasileiro, a divergência com Washington cresceu porque o problema iraniano passou a ser tratado sob o
prisma da crise no Tratado de
Não Proliferação.
A aproximação da conferência de revisão do TNP, em maio
de 2010, aumenta pressão para
que o Brasil assine o Protocolo
Adicional, que permitiria inspeções não programadas em
suas instalações nucleares.
Embora o TNP garanta o direito dos países não armados de
enriquecer urânio em até 20%
(é necessário o enriquecimento
a 90% para fazer a bomba), uma
das propostas de EUA e aliados
é criar um banco internacional
de urânio enriquecido.
O objetivo é não apenas lidar
com os países julgados recalcitrantes no cumprimento do
TNP, como o Irã, mas também
evitar que os demais prossigam
com projetos autônomos de
enriquecimento.
A abstenção brasileira na recente votação na AIEA (Agência Internacional de Energia
Atômica) que condenou o Irã
ocorreu nesse contexto.
A condenação não se deveu
somente à nova usina de enriquecimento em Qom, mas à falta de resposta do Irã a acusações de militarização feitas por
agências de informação ocidentais, em relatórios nunca
compartilhados com todos os
membros da AIEA.
O Brasil segue a maioria dos
especialistas quando argumenta que, entre os indutores da
proliferação, estão a resistência
das cinco potências reconhecidas em cumprir sua parte do
TNP, iniciando o desarme, e o
padrão duplo que acolhe países
com arsenal nuclear fora do
tratado, como Índia, Israel e
Paquistão.
O país é membro do Grupo
de Fornecedores Nucleares e,
além do TNP, assinou dois tratados antibomba, o de Tlatelolco e o bilateral com a Argentina. Mas a credibilidade brasileira é minada quando vozes
dentro ou próximas ao governo
alegam, implícita ou explicitamente, contra a proibição na
Carta de 1988, que o país deveria ter a bomba para ser respeitado.
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