São Paulo, terça-feira, 18 de janeiro de 2005

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ORIENTE MÉDIO

Para Vanunu, que denunciou o programa nuclear israelense, palestinos não deveriam aceitar dois Estados

Dissidente de Israel critica tática palestina

FÁBIO ZANINI
ENVIADO ESPECIAL A JERUSALÉM

Mordechai Vanunu, o mais famoso dissidente israelense, diz que os palestinos adotam a tática errada para obter seus direitos.
Em vez de ficarem se batendo por seu próprio Estado, deveriam lutar por um Estado único na região, em que árabes e judeus tenham os mesmos direitos.
"Os palestinos precisam entender a força do fator populacional e começar a defender a solução com um Estado que dê a eles direitos iguais", diz, em entrevista.
A lógica de Vanunu é simples: por terem crescimento vegetativo maior, os palestinos que vivem sob ocupação israelense, hoje pouco mais de 4 milhões, devem ultrapassar os 5 milhões de judeus em cerca de duas décadas.
Israel seria forçado a dar a eles plenos direitos civis e políticos, sob pena de se transformar em um Estado com "apartheid", com a minoria dominando a maioria.
Conforme uma piada de gosto duvidoso contada por palestinos defensores da estratégia, "Israel tem a bomba atômica, mas nós temos a bomba de sêmen".
Vanunu, 50, é uma figura polêmica em Israel. Em 1986, denunciou o então secreto programa atômico israelense, para o qual trabalhava, alegando que queria livrar o mundo do perigo nuclear.
Foi seqüestrado pelo serviço secreto israelense e passou 17 anos preso, 11 em uma solitária. Libertado em abril de 2004, é considerado um traidor por grande parte dos israelenses, mas é um ídolo de pacifistas e ativistas antinucleares ao redor do mundo.
Ele deu entrevista em um restaurante de Jerusalém, desrespeitando ordens de não conversar com estrangeiros. Enquanto falava, acessava a internet, que acabou de conhecer, com um laptop em cima da mesa. "É fascinante."

 

Folha - Os defensores da bomba atômica em Israel argumentam que ela funciona como instrumento de dissuasão contra outros países, principalmente o Irã. Não é um bom argumento?
Mordechai Vanunu -
O Irã já disse que está pronto para abrir suas instalações para inspeção e assinou o Tratado de Não-Proliferação, enquanto Israel não assinou. Israel usa esse argumento só para justificar suas armas nucleares. A verdade é que é o único a ter bombas atômicas na região, o que é desestabilizador e apenas incentiva outros a buscarem também.

Folha - Por que, para o sr., Israel não é uma democracia real?
Vanunu -
Por causa do tratamento dos palestinos e do tratamento com relação a mim. Eu sofri por 17 anos porque sou cristão. Se todos fossem judeus, receberiam direitos iguais.

Folha - O sr. acredita em uma solução negociada para o conflito israelo-palestino? Defende a constituição de dois Estados?
Vanunu -
A melhor solução é um Estado único, onde todos são seres humanos, respeitados pelo governo, pela Constituição. Os judeus deveriam perceber que, se quiserem realmente ter orgulho de sua democracia, deveriam dar direitos iguais aos palestinos.

Folha - Mas nem os palestinos acreditam nisso, a maioria quer seu Estado ao lado do de Israel.
Vanunu -
Os judeus não aceitam um único Estado por causa do crescimento populacional mais rápido dos árabes. Perderiam sua maioria. Os palestinos precisam entender a força do fator populacional e começar a defender a solução com um Estado, que dê a eles direitos iguais.

Folha - Os palestinos deveriam mudar de tática, então?
Vanunu -
Sim, sim, sim. Seria a solução. E resolveria o problema dos quase 5 milhões de refugiados palestinos que têm vivido em campos nos últimos 55 anos. Eles poderiam viver em qualquer lugar no território histórico da Palestina, como os judeus.

Folha - A eleição de Mahmoud Abbas para a presidência da Autoridade Nacional Palestina muda algo?
Vanunu -
Até agora os israelenses culparam Iasser Arafat [líder histórico palestino, morto em novembro], agora terão Abbas, aceito por todos. Ninguém pode acusá-lo de terror. Está tudo nas mãos de Israel agora.

Folha - A resistência armada contra Israel deveria continuar?
Vanunu -
A segunda Intifada causou muitos danos aos palestinos. Foi um erro, e é usada pelos judeus para justificar o que fazem, é uma razão para formar novas gerações de extremistas religiosos de direita. Os palestinos deram uma justificativa para os israelenses fazerem o que fazem.

Folha - Como é o mundo após 17 anos e meio preso?
Vanunu -
Bom, estou aqui sentado numa mesa de restaurante com um computador ligado à internet. Eu gosto muito dessa nova modernidade. Essa era de computadores, internet, telefones celulares. É fascinante. Antes eu escrevia cartas com caneta, agora só mando e-mail. É a melhor coisa que existe.

Folha - Onze anos numa solitária deixaram algum trauma?
Vanunu
- Houve muita tentativa de lavagem cerebral. E eu lutei contra isso, procurando manter meus sentimentos internos intocados. Eles puderam me prender, mas não puderam controlar meu espírito. Tudo estava sob meu controle. Estou aqui conversando com você porque consegui me manter são.

Folha - Como o sr. se sente quando é chamado de traidor?
Vanunu
- Eu ignoro. Os judeus são apenas 5 milhões. No mundo existem 6 bilhões, e a maioria está me apoiando, gostam do que eu fiz e me entendem.


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