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HAITI EM RUÍNAS
Violência vira obstáculo à ajuda na capital
Reportagem da Folha presencia assassinato a tiros de um haitiano, cuja carteira é roubada por um compatriota enquanto morria
Presidente diz que 3.000 bandidos fugiram da prisão em consequência de tremor; para americano, incidentes atrapalham auxílio a vítimas
Caio Guatelli/Folha Imagem
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Policial tenta conter debandada em Porto Príncipe, onde crescem as disputas por comida
CAIO GUATELLI
ENVIADO ESPECIAL A PORTO PRÍNCIPE
Eram 8h30 de ontem quando
a reportagem da Folha chegou
ao centro de Porto Príncipe, na
avenida Jean Jacques de Salines, onde milhares de haitianos corriam em várias direções. O guia haitiano da reportagem pediu para não seguir
em frente, explicando que o perigo era grande demais. O cenário da cidade, destruída pelo
terremoto que atingiu 7 graus
na escala Richter na última terça, fica ainda mais caótico
quando tiros soam do meio da
correria. O cheiro de cadáveres
se mistura ao de pólvora, e a
tragédia parece só aumentar.
Contrariando o conselho do
guia, a reportagem segue em
frente para saber o motivo da
confusão e vê centenas de homens disputando sacos de comida em meio aos destroços do
terremoto. Como a disputa fica
extremamente violenta, a polícia haitiana aparece com seus
fuzis e começa a disparar tiros
ao alto. Mas os tumultos continuam, e os tiros de alerta não
contêm a população. Centenas
de haitianos escalam as fachadas das lojas destruídas em
busca de algo para consumir.
Os policiais são poucos
-apenas nove. Sozinhos, acuados e sem ajuda da ONU, eles
continuam disparando suas armas. À medida que o tumulto
aumenta, eles miram o rosto
das pessoas e as ameaçam. Mas
são centenas contra nove.
No meio do tumulto, abre-se
uma roda, e é possível ver um
homem caído. Ele foi atingido
na nuca -a marca de tiro é clara. Ainda esboçando movimentos involuntários, o homem
que ali morria era assaltado por
um compatriota que tomava a
carteira de seu bolso. Mais tiros. É hora de ir embora.
Já em cima da moto, em velocidade, a reportagem vê um
motorista de lotação apontar
uma pistola automática para
um homem que o ameaçava.
A cena foi o maior retrato da
violência que começa a aparecer em Porto Príncipe na esteira da tragédia da semana passada. Com o caos instalado, a
segurança e o medo de saques
viraram motivo de preocupação para autoridades e agentes
humanitários, retardando a
distribuição de suprimentos.
"Temos 2.000 policiais em
Porto Príncipe que foram severamente afetados. E 3.000 bandidos escaparam da prisão [durante o terremoto]. Isso dá
uma ideia de quão ruim a situação está", disse ontem o presidente do Haiti, René Préval.
Segundo ele, 3.500 soldados
americanos vão ajudar as forças de paz da ONU e a polícia
haitiana a garantir a segurança
da capital do país.
"Vamos ter de lidar com a situação de segurança", afirmou
o general americano Ken Keen,
do Comando Sul. "Tivemos incidentes de violência que impedem nossa capacidade de
apoiar o governo do Haiti e responder aos desafios que este
país enfrenta."
Gangues armadas -suspeita-se que de fugitivos das prisões- voltaram a controlar a
favela de Cité Soleil, que antes
do terremoto havia sido parcialmente pacificada.
O perigo de violência aumenta com a frustração dos haitianos ante a ausência estatal. O
presidente Préval não fez nenhum pronunciamento à nação desde o terremoto, e muitos ministérios estão acéfalos.
"Tudo no Haiti está quebrado.
Não há uma pessoa neste país
que não tenha um parente ou
amigo morto. O ministro das
Finanças perdeu sua filha de 12
anos. O do Turismo, seus pais.
O chefe da polícia perdeu 2 de
suas 3 crianças", disse a ministra da Informação, Marie Laurence Jocelyn Lassegue.
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