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"Censura total no Irã é inviável", diz cineasta
Disseminação de parabólicas piratas impede governo de vetar canais estrangeiros, mas Estado ainda tem monopólio em cinema e TV aberta
Para Jafar Panahi, autor de "O Círculo" e sem filmar desde a chegada ao poder de Ahmadinejad, em 2005, tudo em seu país é "surreal"
RAUL JUSTE LORES
ENVIADO ESPECIAL A TEERÃ
Considerado o cineasta mais
político e crítico do Irã, Jafar
Panahi, 48, está há quatro anos
sem filmar. "Desde que Ahmadinejad chegou ao poder, não
consigo aprovação da censura
para meus roteiros", diz.
Só seu primeiro filme, "O Balão Branco" (1995), premiado
em Cannes, foi exibido no país
-os demais foram proibidos.
Ao fazer um drama vigoroso sobre os maus-tratos às mulheres
iranianas em "O Círculo"
(2000), que ganhou o Leão de
Ouro em Veneza, virou o cineasta maldito do regime.
Ele lutou na Guerra Irã-Iraque como soldado, foi assistente de Abbas Kiarostami em
"Através das Oliveiras", e tem
uma coleção de prêmios - Leopardo de Ouro em Locarno por
"O Espelho" (1997) e Urso de
Prata em Berlim por "Fora do
Jogo - Offside" (2006).
Neste último, ele enfoca garotas que se vestem de homens
para poder assistir a um jogo de
futebol (mulheres são proibidas de frequentar a estádios).
Panahi já esteve três vezes no
Brasil, onde todos seus filmes
foram exibidos. Ele recebeu a
Folha em seu apartamento em
Teerã, enquanto assistia à nova
temporada de "24 Horas". "Já
que não me deixam filmar, assisto a seriados americanos".
Leia trechos da entrevista.
Censura e Ahmadinejad
"Desde que Ahmadinejad
chegou ao poder [em 2005] não
consigo filmar. Há quatro anos
não tenho autorização. Todas
as minhas ideias e roteiros são
rejeitados pelo governo. Sem
permissão, você não filma. Os
cinemas só exibem o que o governo deixa, e os sete canais de
TV são estatais. É um monopólio. Mas não foi só o cinema que
piorou com Ahmadinejad, muitas outras coisas pioraram."
Sistema ideologizado
"Não faço cinema político, faço cinema social. O filme político diz quem é bom e quem é
ruim, como os partidos políticos. Quem concorda com eles é
bom, quem discorda é ruim. O
problema é que tudo faço aqui é
visto como político. Em um sistema tão ideologizado, se você
não concorda com eles, não frequenta os eventos do governo,
você vira político. No cinema
social, não tem preto, branco,
tem cinza."
Filmes com crianças
"Todos os meus filmes foram
proibidos no Irã, com exceção
de "O Balão Branco". Mesmo
antes da Revolução Islâmica,
cineastas driblavam a censura
fazendo filmes com crianças. A
censura não dá bola para filmes
com crianças. Mas eles falam
de temas adultos. São "com"
crianças, não para crianças."
Mulheres e limites
"Decidi não voltar a filmar
com crianças em "O Círculo".
Gosto de falar de limites, obstáculos, então era natural fazer
um filme sobre as mulheres iranianas. Causou muita polêmica, todos os jornais estatais me
atacaram. O governo queria
que eu cortasse 18 minutos de
cenas "inconvenientes" e não
aceitei. A partir daí, meus filmes não puderam ser exibidos
nos cinemas daqui."
Parabólicas piratas
"Os iranianos acabam vendo
meus filmes pelas cópias piratas, a US$ 1, que são vendidas
em todo o canto. Apesar de
proibidas, eu diria que 90% dos
iranianos têm parabólicas hoje,
dos mais ricos aos mais pobres.
Todo o mundo vê canais internacionais de televisão, o controle da informação ficou difícil. O governo teria que prender
o país inteiro."
Revolução errada
"Jovens não poderiam ser jovens pela lei do Irã - tudo é tão
surreal que para onde você
olhe, há ideia de um novo filme.
Sou otimista com a nova juventude, que não aceita certas imposições do governo e as está
driblando. Minha geração fez a
revolução, ajudamos a derrubar o xá, mas logo percebemos
que essa revolução estava errada. Saímos de um regime sem
democracia para outro. Não
mudou o fundo. A nova geração
não quer mais revolução."
Exílio e comércio
"Muitos cineastas imigraram, alguns estão fazendo outras coisas. Recebi uma proposta de Hollywood. Talvez aceite.
Hoje, no Irã, há um ou dois filmes bons por ano, aprovados
pelo governo. Mas 99% do cinema iraniano é comercial. Divide-se em dois tipos: garota sofrida se apaixona por garoto,
passam por desencontros e terminam juntos. Ou homem casado conhece outra e fica com
duas esposas. Tudo sem beijo."
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