São Paulo, quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

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ANÁLISE

Mundo é mais complexo que as regras

HÉLIO SCHWARTSMAN
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Apenas 4 dos quase 200 países do mundo já legalizaram a eutanásia: Holanda, Bélgica, Luxemburgo e Suíça -além dos Estados americanos de Washington e Oregon. Em todas as outras nações, ajudar um paciente terminal a morrer é considerado crime.
O mundo, entretanto, é mais complexo do que querem os códigos penais e regulamentos de ética médica. Apesar do veto ubíquo, decisões de abreviar ou ao menos de não prolongar a vida de pacientes são tomadas todos os dias em todas as UTIs e salas de emergência do planeta. E é preciso que seja assim, ou o sistema não funcionaria.
O tipo mais comum é a ortotanásia, no qual a equipe médica, dependendo do prognóstico e/ou dos desejos do paciente, deixa de executar os protocolos de reanimação na eventualidade de uma parada cardíaca. No Brasil, tais pacientes são informalmente referidos como SPPs (se parar, parou).
Em tese, um médico que aplica a ortotanásia pode virar réu por omissão de socorro. Deixar de fazê-lo, entretanto, tenderia a perenizar nos sempre escassos leitos de UTI doentes crônicos e sem perspectivas de recuperação, privando de cuidados intensivos pacientes que poderiam deles beneficiar-se muito mais. Aqui, renunciar a decidir, como a lei parece exigir, já significa tomar uma decisão -e justamente a menos racional.
Num degrau acima estão os cuidados paliativos. Muitas vezes, a fim de evitar sofrimento, eleva-se o uso de sedativos opioides, que podem ter o efeito colateral de provocar a morte por parada respiratória.
Aqui, os próprios limites entre a ortotanásia e a eutanásia ativa se tornam ambíguos. Qual a alternativa? Deixar um doente terminal padecer de dores excruciantes parece uma saída menos moral do que correr o risco de matá-lo numa ação que visava evitar um mal maior.
Será que a diferença entre o travesseiro utilizado por Gosling e a dose mais elevada de sedativos é tão grande assim?
A resposta depende do intérprete. Para os que abraçam uma ética consequencialista, que olha sobretudo para os resultados, dá no mesmo. Já para deontologistas, que se fixam nos princípios, leves ambiguidades fazem toda a diferença.


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