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Cardeal brasileiro pede que papa resista à "tentação da autoridade"
DOS ENVIADOS ESPECIAIS A ROMA
No dia em que foi citado na Itália como o mais novo "papável", o
cardeal brasileiro Geraldo Majella
Agnelo fez uma incisiva pregação
sobre o rumo da igreja e pediu
que o futuro papa não ceda à "tentação da autoridade".
D. Geraldo, arcebispo de Salvador e presidente da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil), falou em sua homilia durante missa rezada ontem cedo na
pequena igreja de San Gregorio
Magno, na periferia de Roma. A
igreja é a "sua" paróquia na capital italiana -cada cardeal tem
uma igreja a si consagrada na cidade quando toma posse.
Falando sobre a decisão dos cardeais que escolherão o novo papa,
disse: "A igreja precisa do bom
pastor, que reúna todo o rebanho.
Jesus é o modelo. Não pode haver
a tentação de ser autoridade". Para d. Geraldo, é preciso "ser servidor" e citou diretamente o modelo que deve ser buscado. "A indicação do Concílio Vaticano 2º é
significativa nesse sentido. É o espírito da verdadeira comunhão".
O cardeal tocou num ponto
central do debate em curso em
Roma. O Concílio Vaticano 2º é
um divisor de águas do catolicismo na sua história recente. Iniciado em 1962 pelo papa João 23, o
encontro definiu mudanças visando trazer a igreja para o mundo moderno. Com efeito, a liturgia deixou de ser obrigatoriamente em latim e passou para as línguas nacionais, foi "elevado" o
conceito da mulher dentro do casamento e na igreja e os leigos
passaram a ter mais participação.
O concílio terminou em 1965,
após uma crise de rumos solucionada pelo papa Paulo 6º -o antecessor havia morrido em 1963.
Não por acaso, d. Geraldo cita
sempre Paulo 6º como seu grande
herói na história do papado. Numa conversa recente em Roma,
disse: "O que é preciso é voltar ao
espírito do Vaticano 2º".
Embora muitas decisões do
concílio tenham sido adotadas, há
forte resistência a elas em diversos
pontos da igreja. O reinado de
João Paulo 2º, de certa forma, alimentou o poder daqueles contrários à liberalização do concílio. O
expoente dessa corrente é o cardeal Joseph Ratzinger, citado como ou "papável" ou como principal "eleitor" do próximo papa.
Ratzinger crê numa Igreja Católica até menor, mas mais fiel a seus
princípios, para evitar que se confunda com outras denominações.
Do outro lado, há cardeais como d. Geraldo. Ao citar o Vaticano 2º em uma homilia, deu um recado bastante público sobre qual
linha vai defender na hora de votar. Não se trata de defender um
"liberou geral", mas sim aceitar o
debate, até para tentar fazer valer
o ponto de vista conservador nos
costumes e no que o papado de
Karol Wojtyla galvanizou como
"defesa da vida" -ou seja, antiaborto, contra pesquisas envolvendo descarte de embriões etc.
Além disso, na exposição que
fez aos cardeais na quinta-feira, d.
Geraldo falou sobre pobreza, adicionando a sua eventual candidatura o peso de um defensor de
causas sociais. Por fim, tem 71
anos, uma idade considerada
ideal para um papa.
No fim da missa de ontem, d.
Geraldo foi ainda além e deu outro sinal a quem quisesse assim
entender. Com duas meninas como auxiliares no altar, ele citou a
defesa da participação feminina
na igreja quando convidado a falar sobre sua experiência pessoal
com o papa morto. "Trabalhei em
Roma de 1991 a 1999, e falei muitas vezes com o papa. Às vezes
jantávamos e, além de comer
muito bem, conversávamos", começou. "Uma vez, um outro colega, já morto, criticou o fato de haver uma mulher no altar, dizendo
que não aceitava aquilo. O papa
disse: "Por que não, se, no comunismo, só as mulheres conservaram a fé na Rússia'".
O comentário vai diretamente a
um ponto central do Vaticano 2º,
o status da mulher. Sob o impacto
do feminismo dos anos 60, o concílio proclamou: "Deus não criou
o homem solitário". Os integristas
protestaram, e protestam até hoje.
Os mais liberais defendem a abertura, ainda que não se espere o sacerdócio feminino tão cedo. Os
gritos de ambos os lados serão ouvidos pelos eleitores que ser reúnem a partir de hoje. (CR e IG)
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