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Acordo nuclear Brasil-Irã não convence EUA
Casa Branca diz que acerto para o envio de urânio iraniano à Turquia não responde a preocupações e insiste na defesa de sanções
Texto assinado ontem em Teerã prevê troca de 1.200 kg de estoque do Irã por 120 kg de combustível enriquecido para uso médico após 1 ano
Vahid Salemi/Associated Press
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Lula, Ahmadinejad e Erdogan festejam enquanto seus chanceleres assinam o acordo nuclear entre Brasil, Irã e Turquia, emTeerã
MARCELO NINIO
SAMY ADGHIRNI
ENVIADOS ESPECIAIS A TEERÃ
CRISTINA FIBE
DE NOVA YORK
O acordo nuclear anunciado
ontem por Brasil, Turquia e Irã
não bastou para convencer os
EUA das intenções pacíficas do
programa atômico iraniano. A
Casa Branca afirmou que seguirá pressionando por novas
sanções do Conselho de Segurança da ONU a Teerã.
"Dadas as repetidas vezes em
que o Irã falhou em cumprir
suas promessas e a necessidade
de lidar com questões fundamentais relacionadas ao programa nuclear, os EUA e a comunidade internacional continuam a ter sérias preocupações", disse Robert Gibbs, porta-voz da Casa Branca.
Para o governo americano, o
entendimento anunciado ontem é "vago sobre a disposição
do Irã de se reunir com os países do P5 + 1 [EUA, Reino Unido, França, Rússia, China e Alemanha] para lidar com as preocupações internacionais acerca
de seu programa nuclear".
No acordo mediado pelos governos brasileiro e turco, o Irã
se comprometeu ontem a entregar seu estoque de urânio
pouco enriquecido para a Turquia no prazo de um mês após a
aceitação do trato pela AIEA
(agência atômica da ONU).
O documento foi assinado
ontem em Teerã na presença
dos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Mahmoud Ahmadinejad e do premiê turco, Recep Tayyip Erdogan.
O acordo tem como base a
proposta apresentada pela
AIEA em outubro, que prevê o
envio de 1.200 quilos de urânio
do Irã para o exterior em troca
do elemento enriquecido em
nível adequado para abastecer
um reator médico de Teerã.
Mas o texto assinado ontem
inclui alterações significativas
que levaram o Irã a aceitá-lo.
A principal mudança é que a
Turquia, e não a França ou a
Rússia, seja depositária do urânio iraniano, o que responde à
preocupação iraniana de que o
estoque não fosse devolvido.
O Irã também abriu mão da
exigência de que a troca seja simultânea. Pelo documento, o
urânio será devolvido a Teerã
num prazo de "até um ano".
Enriquecimento continua
O acordo deixa no ar alguns
pontos obscuros. Não está clara
a quantidade real de estoque de
urânio de Teerã -não se sabe
se 1.200 quilos representam
dois terços do estoque total, como era estimado em outubro,
ou pouco mais de metade.
O texto também não impede
que o Irã continue enriquecendo o resto do estoque -ontem
mesmo um porta-voz da Chancelaria iraniana anunciou que o
país seguirá enriquecendo urânio a 20% dentro do país.
Esse anúncio foi citado pelos
EUA como motivo para desconfiar da eficácia do acordo.
"Embora seja um passo positivo para o Irã transferir o urânio pouco enriquecido para fora do país, como concordara em
fazer em outubro, o país disse
que continuará o enriquecimento de 20%, o que é uma violação direta das resoluções do
Conselho de Segurança da
ONU", disse o porta-voz Gibbs.
Ele acrescentou reconhecer
"os esforços que foram feitos
pela Turquia e pelo Brasil", mas
insistiu que é preciso que o
acordo seja apresentado de maneira clara à AIEA antes que
possa ser considerado.
"Os EUA continuarão a trabalhar com nossos parceiros
internacionais, e por meio do
Conselho de Segurança, para
deixar claro para o governo iraniano que precisa demonstrar
com ações -e não só palavras-
a sua disposição de cumprir
suas obrigações ou encarar as
consequências, incluindo sanções", disse o porta-voz.
O porta-voz do Departamento de Estado, Phillip Crowley,
disse que os EUA estão prontos
para um acordo com o Irã, "em
qualquer hora e qualquer lugar", desde que o país esteja
preparado para lidar com as
preocupações internacionais.
"Foi o Irã que falhou em fazer
isso nos últimos muitos meses", completou Crowley, reforçando que os EUA continuam a buscar as sanções.
Um funcionário da Casa
Branca que falou à Folha em
condição de anonimato negou
que haja "irritação" com o Brasil por parte dos EUA devido ao
esforço para evitar sanções ao
Irã. Por outro lado, ele disse
que nada no anúncio do acordo
dá motivos para esperança.
Visão do Brasil
As preocupações americanas
não encontram eco na diplomacia brasileira.
"Aquelas garantias que [as
potências] desejam para poder
começar uma conversação séria e para deixar de lado o caminho das sanções estão totalmente preenchidas", disse o
chanceler Celso Amorim.
"Não vemos razão para que
[as potências] não aceitem [retomar o diálogo], a não ser que
elas estejam mais interessadas
nas sanções pelas sanções."
A mesma posição foi defendida por Ahmadinejad. "É hora
de iniciar diálogo com o Irã
com base na honestidade, justiça e respeito mútuo."
O presidente Lula não falou
com a imprensa ontem, mas,
em seu programa semanal de
rádio, afirmou que o acordo foi
uma "coisa extraordinária".
Veja a íntegra do acordo
Brasil-Irã-Turquia
www.folha.com.br/1013712
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