São Paulo, terça-feira, 18 de maio de 2010

Próximo Texto | Índice

Acordo nuclear Brasil-Irã não convence EUA

Casa Branca diz que acerto para o envio de urânio iraniano à Turquia não responde a preocupações e insiste na defesa de sanções

Texto assinado ontem em Teerã prevê troca de 1.200 kg de estoque do Irã por 120 kg de combustível enriquecido para uso médico após 1 ano


Vahid Salemi/Associated Press
Lula, Ahmadinejad e Erdogan festejam enquanto seus chanceleres assinam o acordo nuclear entre Brasil, Irã e Turquia, emTeerã

MARCELO NINIO
SAMY ADGHIRNI
ENVIADOS ESPECIAIS A TEERÃ
CRISTINA FIBE
DE NOVA YORK

O acordo nuclear anunciado ontem por Brasil, Turquia e Irã não bastou para convencer os EUA das intenções pacíficas do programa atômico iraniano. A Casa Branca afirmou que seguirá pressionando por novas sanções do Conselho de Segurança da ONU a Teerã.
"Dadas as repetidas vezes em que o Irã falhou em cumprir suas promessas e a necessidade de lidar com questões fundamentais relacionadas ao programa nuclear, os EUA e a comunidade internacional continuam a ter sérias preocupações", disse Robert Gibbs, porta-voz da Casa Branca.
Para o governo americano, o entendimento anunciado ontem é "vago sobre a disposição do Irã de se reunir com os países do P5 + 1 [EUA, Reino Unido, França, Rússia, China e Alemanha] para lidar com as preocupações internacionais acerca de seu programa nuclear".
No acordo mediado pelos governos brasileiro e turco, o Irã se comprometeu ontem a entregar seu estoque de urânio pouco enriquecido para a Turquia no prazo de um mês após a aceitação do trato pela AIEA (agência atômica da ONU).
O documento foi assinado ontem em Teerã na presença dos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Mahmoud Ahmadinejad e do premiê turco, Recep Tayyip Erdogan. O acordo tem como base a proposta apresentada pela AIEA em outubro, que prevê o envio de 1.200 quilos de urânio do Irã para o exterior em troca do elemento enriquecido em nível adequado para abastecer um reator médico de Teerã.
Mas o texto assinado ontem inclui alterações significativas que levaram o Irã a aceitá-lo. A principal mudança é que a Turquia, e não a França ou a Rússia, seja depositária do urânio iraniano, o que responde à preocupação iraniana de que o estoque não fosse devolvido.
O Irã também abriu mão da exigência de que a troca seja simultânea. Pelo documento, o urânio será devolvido a Teerã num prazo de "até um ano".

Enriquecimento continua
O acordo deixa no ar alguns pontos obscuros. Não está clara a quantidade real de estoque de urânio de Teerã -não se sabe se 1.200 quilos representam dois terços do estoque total, como era estimado em outubro, ou pouco mais de metade.
O texto também não impede que o Irã continue enriquecendo o resto do estoque -ontem mesmo um porta-voz da Chancelaria iraniana anunciou que o país seguirá enriquecendo urânio a 20% dentro do país. Esse anúncio foi citado pelos EUA como motivo para desconfiar da eficácia do acordo.
"Embora seja um passo positivo para o Irã transferir o urânio pouco enriquecido para fora do país, como concordara em fazer em outubro, o país disse que continuará o enriquecimento de 20%, o que é uma violação direta das resoluções do Conselho de Segurança da ONU", disse o porta-voz Gibbs.
Ele acrescentou reconhecer "os esforços que foram feitos pela Turquia e pelo Brasil", mas insistiu que é preciso que o acordo seja apresentado de maneira clara à AIEA antes que possa ser considerado.
"Os EUA continuarão a trabalhar com nossos parceiros internacionais, e por meio do Conselho de Segurança, para deixar claro para o governo iraniano que precisa demonstrar com ações -e não só palavras- a sua disposição de cumprir suas obrigações ou encarar as consequências, incluindo sanções", disse o porta-voz.
O porta-voz do Departamento de Estado, Phillip Crowley, disse que os EUA estão prontos para um acordo com o Irã, "em qualquer hora e qualquer lugar", desde que o país esteja preparado para lidar com as preocupações internacionais.
"Foi o Irã que falhou em fazer isso nos últimos muitos meses", completou Crowley, reforçando que os EUA continuam a buscar as sanções. Um funcionário da Casa Branca que falou à Folha em condição de anonimato negou que haja "irritação" com o Brasil por parte dos EUA devido ao esforço para evitar sanções ao Irã. Por outro lado, ele disse que nada no anúncio do acordo dá motivos para esperança.

Visão do Brasil
As preocupações americanas não encontram eco na diplomacia brasileira. "Aquelas garantias que [as potências] desejam para poder começar uma conversação séria e para deixar de lado o caminho das sanções estão totalmente preenchidas", disse o chanceler Celso Amorim.
"Não vemos razão para que [as potências] não aceitem [retomar o diálogo], a não ser que elas estejam mais interessadas nas sanções pelas sanções." A mesma posição foi defendida por Ahmadinejad. "É hora de iniciar diálogo com o Irã com base na honestidade, justiça e respeito mútuo." O presidente Lula não falou com a imprensa ontem, mas, em seu programa semanal de rádio, afirmou que o acordo foi uma "coisa extraordinária".

Veja a íntegra do acordo Brasil-Irã-Turquia

www.folha.com.br/1013712



Próximo Texto: Café celebra "nova ordem mundial"
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.