São Paulo, domingo, 18 de junho de 2006

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ARTIGO

Como o mundo pode lutar contra o terrorismo nuclear

Para o diretor da agência nuclear da ONU e o chanceler norueguês, mundo mal avançou em eliminar a maior ameaça atômica: o urânio altamente enriquecido

MOHAMED ELBARADEI
JONAS GAHR STORE

A MANEIRA MAIS simples de produzir uma explosão atômica consiste em promover o choque de dois pedaços de bom tamanho de urânio altamente enriquecido (HEU highly enriched uranium), no que é comumente conhecido como "gun-type nuke", ou arma nuclear do tipo de uma arma de fogo. A abordagem pode soar grosseira, e é. Nenhum país hoje utiliza esse procedimento para criar suas armas nucleares. Mas vale a pena recordar que foi uma arma nuclear de HEU, desse tipo, que matou mais de 70 mil pessoas em Hiroshima. Depois de passar quase cinco anos vivendo sob a ameaça do terrorismo sofisticado, por que ainda estamos avançando tão lentamente no sentido de eliminar os estoques mundiais de HEU e de minimizar suas utilizações civis? Muita atenção vem sendo prestada atualmente à questão do controle da tecnologia de enriquecimento de urânio, e com razão. Se todos os procedimentos de enriquecimento de urânio fossem submetidos a um controle multinacional, seria muito mais difícil para qualquer país desviar urânio enriquecido para emprego em armas. Mas faz igual sentido proteger -ou melhor ainda, eliminar- o urânio altamente enriquecido, em grau suficiente para a produção de bombas, que já existe no mundo. Especialistas dizem que existem cerca de 1.850 toneladas métricas de HEU armazenadas no mundo, o suficiente para fabricar dezenas de milhares de armas nucleares. A grande parte desse total se encontra em uso militar. Do lado civil, os números são muito menores -mas o nível de segurança é desigual. Quase cem instalações civis espalhadas pelo mundo operam com quantidades pequenas de HEU de grau de armas, ou seja, urânio que já foi enriquecido a 90% ou mais. Essas instalações, em sua maioria reatores para pesquisas, fornecem benefícios importantes. Os isótopos que produzem são vitais para tratamentos médicos, produtividade industrial, gerenciamento de recursos hídricos e muitas outras utilizações humanitárias. As pesquisas conduzidas nesses locais já melhoraram em muito a nossa qualidade de vida. Mas a maioria desses benefícios também poderia ser obtida com o emprego de urânio de baixo grau de enriquecimento (LEU). Ainda no final dos anos 1970, os EUA e outros países lançaram esforços para converter essas instalações do HEU para o LEU, visando reduzir os riscos de proliferação. Nos últimos anos, foram feitos bons avanços nesse sentido. Muitos reatores de pesquisa já foram convertidos. Grandes quantidades de combustível de HEU para reatores, utilizado ou não, foram removidos de lugares vulneráveis e devolvidos a seus países de origem. Mas ainda restam muitos pontos de vulnerabilidade. Precisamos intensificar o senso de urgência, de uma ação global mais coerente. Os países envolvidos deveriam unir suas forças para minimizar e, com o tempo, eliminar a utilização civil de HEU. Pesquisas conjuntas devem ser empreendidas para encontrar soluções para os últimos obstáculos técnicos que permanecem à conversão de operações que empregam HEU para outras com LEU. Os países que dispõem de estoques civis e militares de HEU devem ser encorajados a divulgar inventários desses estoques e um cronograma do empobrecimento verificável do HEU remanescente. Ao investir nessas medidas diretas, poderíamos reduzir substancialmente o risco do terrorismo nuclear. O trabalho poderia ser feito conjuntamente, como comunidade internacional; essa é uma iniciativa em que todos os países -tanto os que possuem quanto os que não possuem armas nucleares- poderiam exercer um papel e da qual todos se beneficiariam claramente.


MOHAMED ELBARADEI é diretor da Agência Internacional de Energia Atômica e ganhador do Prêmio Nobel da Paz em 2005. JONAS GAHR STORE é chanceler da Noruega
Este artigo foi originalmente publicado pelo

FINANCIAL TIMES

Tradução de CLARA ALLAIN


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