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depoimento
"Sem ninguém para ver, que será de nós?"
RAUL JUSTE LORES
ENVIADO ESPECIAL A TEERÃ
A Primavera de Teerã
está nas ruas, mas não posso usar nem celular nem
internet em minhas últimas oito horas na cidade.
Está tudo bloqueado.
Pensei que fosse problema no hotel, então fui à casa de um amigo em outro
bairro. E depois à de outro.
Ambos desconectados.
Em teoria, não posso
nem circular. O governo
cancelou a credencial dos
jornalistas estrangeiros, e
sou aconselhado a deixar o
país o quanto antes.
O trânsito é mínimo.
Por medo de mais distúrbios e das milícias pró-Ahmadinejad que circulam
armadas em motos pela cidade, várias lojas e empresas fecharam às 16h.
Há viaturas da polícia
diante do hotel, um dos
poucos cinco estrelas da
cidade, todos abertos antes da revolução de 1979.
Como cartões de crédito
internacionais não são
aceitos no Irã, preciso pagar tudo em dólar.
O moço que carrega minha mala sussurra: "Isto é
o início de um golpe de Estado, tem militar por todo
lado, querem vocês jornalistas fora daqui".
Na recepção, outro funcionário emenda: "Quando não tiver mais ninguém
de fora para ver, o que será
de nós?".
Antes de partir, aproveito para visitar o Museu de
Arte Contemporânea de
Teerã, que fica ao lado do
meu hotel.
Sou o único visitante. É
talvez uma das melhores
coleções de arte do Oriente Médio, com obras de Picasso, Van Gogh, Gauguin,
Magritte e vários artistas
influentes nos anos 70, como LeWitt e Warhol.
As 400 obras foram escolhidas pela então imperatriz Farah Diba. Ela foi
deposta em 1979 junto
com seu marido, o xá Reza
Pahlevi e vive no exílio em
Paris.
De 1979 até hoje, o museu só adquiriu mais cinco
obras de estrangeiros. Na
gestão Ahmadinejad, o orçamento foi reduzido -ele
transformou várias galerias de arte em locais de
oração.
No acervo, há dois quadros pintados por Mir
Hossein Mousavi, o atual
líder da oposição. Mas eles
não estão em exibição.
Como o Irã não é a Arábia Saudita, há bienais de
arte, de cartuns, de escultura. As funcionárias, todas cobertas de xador preto, obrigatório no funcionalismo público, explicam
que, em dias normais, o
museu recebe até 2.000
pessoas.
Mas contam que diversos quadros com nudez,
obras de Francis Bacon a
David Hockney, encontram-se esquecidos em
um depósito, censurados
pelo regime.
"É uma pena, afinal arte
não deveria estar escondida", dizem as jovens, meio
encabuladas.
Em 1979, quando os aiatolás chegaram ao poder, o
Irã tinha 36 milhões de habitantes, e 53% da população vivia na zona rural.
Hoje são 66 milhões, 70%
vivem em cidades.
Muita coisa mudou.
Amigos ligam ao telefone
do hotel para se despedir.
Contam que continuarão a
me enviar vídeos e fotos
das manifestações e da repressão "para que a Primavera de Teerã não seja
esquecida".
Chego a Dubai. Leio que
o governo iraniano reduziu a banda larga para impedir que essas imagens
circulem no exterior. O
povo continua na rua. O
que será deles?
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